Nos estabelecimentos de ensino onde os alunos são mais carenciados, provêm de famílias menos escolarizadas e têm notas mais baixas o número de professores a querer mudar de escola é significativamente mais elevado do que nos agrupamentos localizados em meios favorecidos. A conclusão é de um estudo do Centro de Economia da Educação da Universidade Nova de Lisboa, que considera “preocupante” o nível de rotatividade dos docentes nas escolas consideradas “mais difíceis”.
O estudo, divulgado esta quinta-feira, analisou a rotatividade de professores em todos os agrupamentos de escolas públicas de Portugal Continental entre os anos letivos de 2008/09 e 2017/18. Neste último ano, 90% das escolas apresentaram níveis de rotatividade acima dos 20%, o que significa que um em cada cinco docentes não estava colocado nesse mesmo agrupamento no ano anterior.
Mas a estabilidade do corpo docente varia muito em função do contexto socioeconómico das escolas. Nos anos letivos em que há concurso de professores – que permite que, além dos contratados, também os docentes efetivos mudem de agrupamento -, o nível de rotatividade nas escolas onde os alunos provêm de famílias menos escolarizadas chega, em média, aos 37%, mais dez pontos percentuais do que o registado nos estabelecimentos de ensino onde há mais mães licenciadas.
A mesma relação é visível no que diz respeito à percentagem de alunos carenciados. Nas escolas com mais beneficiários de Ação Social Escolar, o nível médio de rotatividade dos professores é de 35%, mais oito pontos percentuais do que nos agrupamentos com menos alunos apoiados.
Estas conclusões são “preocupantes”, sobretudo tendo em conta que “há evidência internacional que mostra que a excessiva rotatividade tem um impacto negativo nos resultados escolares”, frisa Pedro Freitas, investigador da Nova SBE e coautor do estudo.
FALTAM INCENTIVOS AOS PROFESSORES
Para o investigador, o estudo torna clara a necessidade de criar incentivos para os docentes que dão aulas nas escolas situadas em meios mais carenciados. “Se receberem exatamente o mesmo salário, tiverem a mesma progressão na carreira e os mesmos apoios que os colegas que lecionam em escolas localizadas em contextos favorecidos e com alunos mais fáceis, então que motivação têm para continuar nas escolas mais difíceis? É compreensível que muitos queiram sair”, diz.
Em entrevista ao Expresso, em maio, o ministro da Educação, João Costa, reconheceu que trabalhar nos agrupamentos localizados em meios desfavorecidos e problemáticos, onde as famílias são mais carenciadas e os alunos têm resultados mais baixos, “implica competências que nem todos os professores têm”.
“Hoje há uma série de problemas sociais e os professores não foram formados para lidar com essa diversidade, o que gera frustração. Foram formados para serem professores de bons alunos. Era como formar médicos para verem só pessoas saudáveis. A formação tem de ser reconfigurada”, defendeu.
Pedro Freitas concorda que é preciso apostar na formação dos docentes, mas sublinha que só isso não chega. São precisos incentivos a nível do salário e das condições de progressão na carreira, além de políticas que já mostraram ter eficácia noutros países e que seria bom “importar” para Portugal como a criação de programas de apoio aos professores mais jovens para que tenham o acompanhamento de um docente com mais experência e que funcione como um “mentor”, ajudando na sua integração.
Aumentar substancialmente o grau de autonomia das escolas no recrutamento de professores, em particular nos agrupamentos considerados mais problemáticos, é igualmente fundamental, salienta o investigador da Nova SBE, que realizou o estudo em coautoria com Luís Catela Nunes, Ana Balcão Reis e Diogo Conceição.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL