“Que coisa são as nuvens”, título da obra de José Tolentino Mendonça, inspirada na película “Che cosa sono le nuvole”, de Pier Paolo Pasolini, foi distinguido no dia 5 de Maio como o vencedor da 1ª edição do Grande Prémio de Literatura Associação Portuguesa de Escritores/Câmara de Loulé – Crónica e Dispersos Literários, numa cerimónia que decorreu no Salão Nobre dos Paços do Concelho, no âmbito das celebrações do Dia do Município.
No seguimento de um protocolo entre a autarquia e a Associação Portuguesa de Escritores, e por empenho do jornalista Carlos Albino, nasceu este Grande Prémio, na área específica da crónica e colectânea de dispersos literários, que pretende tornar-se numa referência nacional na divulgação da Literatura e seus autores. Destina-se a galardoar anualmente uma obra em português, de um autor português, publicada em livro e em primeira edição em Portugal no ano anterior ao da sua entrega.
Este ano, excepcionalmente, concorreram livros de 2014 e de 2015, nos domínios da crónica e dos dispersos literários reunidos em volume, tendo a fase do concurso decorrido até 16 de Março.
O júri, constituído pelo poeta Casimiro de Brito, José Ribeiro Ferreira, professor catedrático da Universidade de Coimbra, e José Cândido Oliveira Martins, professor associado da Universidade Católica Portuguesa, deliberou a 26 de Abril distinguir Tolentino Mendonça.
No ano inaugural participaram meia centena de obras, “algumas de grande valor e que cumpriam as questões essenciais da crónica, mas a distinção de Tolentino Mendonça foi um acto justo, o nosso município premiou um grande livro, que pode ser lido com carinho e com entusiasmo”, referiu o presidente do júri, Casimiro de Brito.
José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores, referiu a importância de distinguir obras na área de um género literário como a crónica, “um género que começou a ser muito praticado por autores de grande relevância e tem vindo a ganhar densidade, sobretudo na edição em livro”, sendo este o único prémio em Portugal a ela dedicada.
Quanto ao premiado, referiu-se a Tolentino Mendonça como “uma grande figura da nossa cultura, um poeta, um filósofo, um teólogo, um moralista, uma pessoa singular e rara” e à sua obra como “um conjunto de crónicas exemplar pela grandeza e diversidade dos temas, profundidade da análise e qualidade e singularidade da escrita”.
“Que coisa são as nuvens” é um livro que reúne as melhores crónicas publicadas na coluna que o autor assina semanalmente no Jornal Expresso.
“Escrever uma crónica é aceitar um confronto com a própria realidade e a realidade não é aquilo que nós sonhamos. Na realidade encontrámos o sentido trágico da própria existência, a sua conflitualidade, a sua imperfeição. É necessário fazer o gesto de levantar os olhos dos factos brutos da nossa história e procurar outros pontos de vista, procurar uma grandeza que se oculta no insignificante, ser capaz de abrir brechas para uma contemplação mais profunda daquilo que não tem resposta”, afirmou o autor sobre a essência deste género literário que é destacado neste prémio instituído pela autarquia.
O vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa falou dos temas das suas obras. “Eu escrevo um pouco sobre todas as coisas, interessam-me muitas coisas, interessa-me o exercício de pensar. A crónica é o espelho da própria realidade”, disse.
Emocionado por receber este prémio em Loulé, o poeta e teólogo lembrou um momento que marcou a sua vida e o seu percurso na literatura e que o liga emocionalmente a esta terra. Em 1980, quando tinha 15 anos, a escritora Lídia Jorge publicou “O Dia dos Prodígios”, que deu a Tolentino Mendonça a “chave para a sua própria experiência pessoal”.
Na altura, a partir da sua terra natal, a ilha da Madeira, escreveu uma carta à jovem escritora algarvia que, passado algum tempo, lhe respondeu, também através de uma carta que ainda hoje guarda como um dos tesouros da sua vida, e onde lhe fala sobre o processo de escrita literária e o estimula a escrever. “Vir aqui a Loulé nesta circunstância é inseparável desse gesto que aconteceu há uma década atrás”, sublinhou.