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Nasceu em Tavira (1982), é licenciado em Direito, e exerce advocacia em Faro, onde reside. Tem desenvolvido intensa actividade na promoção da poesia do Algarve. Fundou com Fernando Esteves Pinto a associação cultural Linguagem de Cálculo e participou no Sulscrito. Fundou o Texto-al, com Luís Ene e Carlos Campaniço. Traduziu para português alguns livros de poemas de autores de língua espanhola. Está representado em diversas antologias de poesia e revistas, participou como autor convidado em encontros e conferências de escritores como o Palavra Ibérica (Punta Umbría) e Correntes d’Escritas (Póvoa de Varzim). Publicou como autor, os livros de poesia ‘Versos Nus’ (Magna, 2007). ‘Polishop’ (Colecção Palavra Ibérica, 2010), ‘Relevo Móbil Num Coração de Tempo’ (Lua de Marfim, 2012).
Parece, no entanto, um pouco desconsolado, com a poesia na sua vida, e a vida na sua poesia:
É um quotidiano em que a poesia é cada vez menos procurada, ao contrário de há uns anos em que havia claramente mais entusiasmo pelos segredos da escrita. Tornei-me um ser mais cerebral e creio que isso se reflecte na minha poesia, que é muito mais fria do que antes. Busco explorar ideias. Ao leitor caberá encontrar a poesia que mais gosta no meio dessas palavras.
Apesar disso, no passado mês de Abril, foi-lhe atribuído o prestigiado Prémio Literário Amália Vaz de Carvalho com o livro ‘Este Obscuro Objecto do Desejo’. O júri reconheceu as qualidades que quis pôr à prova.
Para além disso, há o apoio à edição do livro, que é uma das componentes do Prémio, a par da quantia monetária. Felizmente ganhei e não escondo que fiquei feliz. O mais importante é que o livro sairá no final de 2017, e numa editora relevante. Esse é para mim o maior prémio. Já tinha recebido antes uma menção honrosa num outro prémio, sem que a obra tivesse sido apoiada.
Encontra-se a ler… «Poesia Presente», uma antologia de António Ramos Rosa que saiu recentemente. Tiago considera o poeta de Faro, como sendo talvez a sua maior influência literária nos dias de hoje.
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Tive a honra de o conhecer no final da sua vida. Sei que chegou a ler um livro meu, o que muito me satisfaz.
E mencionou de seguida alguns outros autores que gosta, como Leonard Cohen, Al Berto, Herberto Helder, Manoel de Barros, Maria Benedetti, entre muitos outros. E na sempre difícil tarefa para um escritor, de entre tantas e diversas leituras e influências, ter de selecionar um livro/poema que considere relevantes apontou os seguintes:
Al Berto, O Medo. Poema: Foram Breves e Medonhas as Noites de Amor.
Rui Costa, A Nuvem Prateada das Pessoas Graves. Poema: A Nuvem Prateada das Pessoas Graves.
Do quotidiano de escrita/na escrita
Gosto de escrever à medida que vou lendo outros autores. Preciso de ir buscar inspiração aos outros. É lá que encontro a motivação certa. Não tenho horários para a escrita. Neste momento escrevo quando tenho um projecto em mãos. Quando é assim, posso escrever durante o dia, entre tarefas profissionais. De preferência ao ar livre, com uma chávena de café. A ouvir música. Gosto de ouvir música portuguesa enquanto escrevo. Sérgio Godinho, Márcia, Samuel Úria, Dead Combo, ou Amália Rodrigues são óptimos para escrever. Uso papel e caneta. Depois dá-se o processo de reescrita, que é no computador.
Sylvia Beirute, o mistério recentemente revelado…
Foi um pseudónimo criado para me dar total liberdade criativa. Criei muita coisa, escrevi muito, falhei muito mas, por entre tanta coisa, cresci muito. Tenho a certeza que se não fosse essa experiência não teria atingido o estado de maturidade em que me encontro. Por outro lado, foi engraçado ter vivido a especulação em torno de quem seria o autor por trás de Sylvia Beirute (‘Uma Prática para Desconserto’; 4águas, 2011). Tudo isso foi muito poético. Mas como tudo na vida, terminou. Teve o seu tempo. Foi um longo exercício. Talvez um dia publique uma antologia com os melhores poemas de todo esse tempo.
Poema do livro inédito
‘Nuvem com Superfície Variável’
Nuvem com superfície variável III / René Bértholo, 1974
Há cinco mil milhões de anos, esta terra arfava
numa massa de rochas e fogo.
Hoje à noite um peixe cintilante voou uma vez,
afundou de novo em azul visível, olhou para baixo,
bem para baixo e encontrou as luzes
de um milhão de pensamentos.
Cá fora, pela cidade, nos pórticos da igreja
e ao longe das razões
adolescentes riem e fumam,
enquanto o seu significado se move para trás da névoa
e da marcha de todo o tempo.
Há cinco mil milhões de anos, esta terra arfava
numa massa de rochas e fogo.
E hoje à noite cores ameaçadas voam, escapando sem cessar,
uma vez que é sabido que sob as penas brancas
existe carne quente apaixonando a gordura;
Mas olhemos com olhos flutuantes e vejamos os sinais de néon,
todos os fluxos de água, os espinhos das flores
ou a contundência das órbitas de estrelas distantes
que em muito passam a ideia de agora.
De qualquer forma, e apesar disso, um ar superior
parece livre no céu,
fluxos com ventos laterais não se deixam filtrar
por verdadeiras ideias ou conflitos,
um pinheiro cresce como se não respeitasse
qualquer sugestão de não-desejo.
Há cinco mil milhões de anos, esta terra arfava
numa massa de rochas e fogo.
de uma mosca nocturna forrando o céu a sede insaciável,
as memórias estão cortadas pela metade, enxertadas por sonhos
de cisnes pré-históricos, trilobites, aves mesozóicas,
inaugurando um silêncio esculpido em cascas de som.
E hoje à noite um peixe cintilante voou uma vez,
afundou de novo em azul visível, olhou para baixo,
bem para baixo, e encontrou as luzes
de um milhão de pensamentos.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)