
Na celebração anual da “Festa dos Anos de Álvaro de Campos”, o POSTAL do ALGARVE volta a unir-se a esta iniciativa cultural e vai publicar em Outubro “Um Mês de Poesia”.
Este ano os textos e poemas são dedicados ao tema “O FUTURISMO DO NOSSO PASSADO”, que também serve de mote para os trabalhos que serão desenvolvidos pelos alunos das escolas de Tavira.
A selecção dos trabalhos que serão publicados ao longo deste mês foi feita por Ana Cristina Matias, professora de Português e professora-bibliotecária da Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira.
Álvaro de Campos – Fase FUTURISMO / SENSACIONISMO
ODE TRIUNFAL
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes
[volantes,]
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
[…]
Londres, 1914 — Junho.
6-1914
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). – 144.
1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa Jan.-Mar. 1915. Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos – Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2018 decorre até ao próximo dia 30 de Novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI.