
Este ano os textos e poemas são dedicados ao tema “O FUTURISMO DO NOSSO PASSADO”, que também serve de mote para os trabalhos que serão desenvolvidos pelos alunos das escolas de Tavira.
A selecção dos trabalhos que serão publicados ao longo deste mês foi feita por Ana Cristina Matias, professora de Português e professora-bibliotecária da Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira.
Álvaro de Campos – Fase FUTURISMO / SENSACIONISMO
Álvaro de Campos
O Sensacionismo começou com a amizade entre Fernando Pessoa. . . — T
O Sensacionismo começou com a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Provavelmente é difícil destrinçar a parte de cada um na origem do movimento e, com certeza, absolutamente inútil determiná-lo. O facto é que ambos lhe deram início.
Mas cada sensacionista digno de menção é uma personalidade à parte e, naturalmente, todos exerceram uma actividade recíproca.
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro estão mais próximos dos simbolistas. Álvaro de Campos e Almada Negreiros são mais afins da moderna maneira de sentir e de escrever. Os outros são intermédios.
Fernando Pessoa padece de cultura clássica.
Nenhum sensacionista foi mais além do que Sá-Carneiro na expressão do que em sensacionismo se poderá chamar sentimentos coloridos. A sua imaginação — uma das mais puras na moderna literatura, pois ele excedeu Poe no conto dedutivo em A Estranha Morte do Professor Antena —corre desenfreada por entre os elementos que os sentidos lhe facultaram, e o seu sentido da cor é dos mais intensos entre os homens de letras.
Fernando Pessoa é mais puramente intelectual; a sua força reside mais na análise intelectual do sentimento e da emoção, por ele levada a uma perfeição que quase nos deixa com a respiração suspensa. Do seu drama estático, O Marinheiro, disse uma vez um leitor: «Torna o mundo exterior inteiramente irreal» e, de facto, assim é. Nada de mais remoto existe em literatura. A melhor nebulosidade e subtileza de Maeterlinck é grosseira e carnal em comparação.
José de Almada-Negreiros é mais espontâneo e rápido, mas nem por isso deixa de ser um homem de génio. Ele é mais novo do que os outros, não só em idade como também em espontaneidade e efervescência. Possui uma personalidade muito distinta — para admirar é que a tivesse adquirido tão cedo.
Luís de Montalvor é quem está mais próximo dos simbolistas. No que se refere a estilo e orientação espiritual não está muito distante de Mallarmé, o qual, não é difícil adivinhar, é, com certeza, o seu poeta favorito. Mas existem claros elementos sensacionistas na sua poesia, coisas inteiramente tiradas a Mallarmé, mais intelectualmente profundas, mais sinceramente sentidas no
cérebro, para falar, de todo em todo, à sensacionista.
São, de longe, bem mais interessantes do que os cubistas e os futuristas!
Nunca desejei conhecer pessoalmente qualquer dos sensacionistas por estar persuadido de que o melhor conhecimento é impessoal.
Álvaro de Campos define-se excelentemente como sendo um Walt Whitman com um poeta grego lá dentro. Há nele toda a pujança da sensação intelectual, emocional e física que caracterizava Whitman; mas nele verifica-se o traço precisamente oposto — um poder de construção e de desenvolvimento ordenado de um poema que nenhum poeta depois de Milton jamais alcançou. A Ode Triunfal de Álvaro de Campos, whitmanescamente caracterizada pela ausência de estrofe e de rima (e regularidade), possui uma construção e um desenvolvimento ordenado que estultifica a perfeição que Lycidas, por exemplo, pode reivindicar neste particular. A Ode Marítima que ocupa nada menos de 22 páginas de Orpheu, é uma autêntica maravilha de organização. Nenhum regimento alemão jamais possuiu a disciplina interior subjacente a essa composição, a qual, pelo seu aspecto tipográfico, quase se pode considerar um espécime de desleixo futurista. As mesmas considerações são de aplicar à magnífica Saudação a Walt Whitman no terceiro Orpheu.
[…]
1916
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 148.
Trad: Tomás Kim
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2018 decorre até ao próximo dia 30 de Novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI