Depois de um mês de guerra na Ucrânia, a Rússia está a conseguir atingir poucos objetivos e a falhar cidades estratégicas. A conclusão é do Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War – ISW): “A campanha russa inicial para tomar a capital e as principais cidades da Ucrânia e forçar a mudança de regime falhou”. O resultado pode ser este: “Provavelmente, a guerra vai evoluir para uma fase de impasse sangrento, que poderá durar semanas ou meses”, antecipa o think thank de assuntos militares sediado nos Estados Unidos numa avaliação feita esta semana.
Após 29 dias de combate em solo ucraniano, os russos avançaram sobretudo sobre o norte, leste e sul do país, galgando terreno em cidades transfronteiriças e cidades portuárias estratégicas junto à Crimeia (território anexado pela Rússia em 2014), para vedar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro.
Todos os dias, o Instituto para o Estudo da Guerra publica uma avaliação das movimentações e manobras russas e contraofensivas ucranianas. Na análise mais recente, esta quarta-feira, o ISW diz que as áreas expandidas “não indicam que os russos tenham conseguido mais ganhos [territoriais] nos últimos dias”. A perspetiva do instituto é que, dentro de pouco tempo, a guerra pode evoluir para um beco sem saída.
Afinal, o que significa um impasse militar? “Descreve uma condição na guerra em que nenhum dos lados pode mudar dramaticamente as linhas da frente, por mais que tente”, esclarece o ISW. No entanto, Carlos Branco, Major-General do Exército Português na reserva, afasta para já esta situação: continua a existir “uma postura ofensiva das forças russas”. Agora se falarmos de negociações diplomáticas entre Rússia e Ucrânia, aí sim, há um impasse, diz ao Expresso o especialista em assuntos-militares e relações internacionais.
Para Carlos Branco, também não parece por enquanto que as operações militares russas para conquistar a Ucrânia estejam a decorrer de forma particularmente lenta, se fizermos um exercício comparativo com “o caso de Hitler na Polónia, ou dos Estados Unidos no Iraque”, exemplifica o antigo Diretor da Divisão de Cooperação e Segurança Regional, do Estado-Maior Militar Internacional da NATO. Se houvesse impasse militar não teríamos, por exemplo, combates em Mariupol, em Mykolaiv, na região do Donbas, na zona norte ou no sul da Ucrânia, continua o Major-General.
COMO EVITAR QUE A GUERRA CAIA NUM IMPASSE?
“A guerra de conquista russa na Ucrânia está agora a entrar numa fase crítica; uma corrida para alcançar o ponto culminante da capacidade ofensiva da Rússia e da capacidade defensiva da Ucrânia”, escreveu o tenente-general norte-americano na reforma Ben Hodges e Julian Lindley-French, professor na Academia de Defesa dos Países Baixos, num artigo citado pelo “The Washington Post”.
A fase é de facto crítica: “tudo será decidido nos próximos 15 dias”, disse o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, numa entrevista ao canal espanhol TVE esta quinta-feira. O Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança acrescentou que a UE e os respetivos aliados vão continuar a prestar ajuda militar ao exército ucraniano — e segundo o Instituto para o Estudo da Guerra essa é uma forma de evitar que a guerra caia num impasse.
Como analisa o ISW na publicação “O que significa um impasse na Ucrânia e por que é importante”, “o Ocidente deve continuar a fornecer à Ucrânia as armas de que precisa para lutar”. Tanto Ben Hodges como Julian Lindley-French concordam: os Estados Unidos e outros países da NATO devem continuar a fornecer material militar ao país, na esperança de que as forças ucranianas possam aproveitar esta “janela de oportunidade” e ganhar concessões na mesa de negociações.
SERIA “INSUSTENTÁVEL” PARA PUTIN PERDER A GUERRA
“Esta guerra vai ter de ter um fim”, diz Carlos Branco. Resta saber quando e como. Segundo o Major-General, os russos sabem que o tempo corre contra eles e não vão continuar a marinar nas negociações. “A Ucrânia tem um significado importantíssimo para a Rússia” e é também uma forma de Vladimir Putin marcar uma posição em relação ao Ocidente e, particularmente, aos Estados Unidos, que “têm tido uma intervenção massiva sobre a Ucrânia”, aclara o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
Yaroslav Hrytsak, historiador e professor na Universidade Católica Ucraniana, diz num editorial do New York Times que o Presidente russo cometeu dois grandes erros de cálculo. Primeiro: “Putin esperava, como tinha sido o caso na sua guerra contra a Geórgia, que o Ocidente engolisse tacitamente a sua agressão contra a Ucrânia. Uma resposta unificada não estava nos seus planos”. Segundo: “uma vez que na sua cabeça russos e ucranianos eram uma só nação, Putin acreditava que as tropas russas mal precisavam de entrar na Ucrânia para serem recebidas com flores. Isto nunca se concretizou”.
Agora a Rússia não pode arriscar perder esta guerra — do ponto de vista geoestratégico seria “insustentável” para o Kremlin, considera o Major-General — por isso “vai até às últimas consequências” se o fim do conflito não for negociado. E isto será “terrível” para a Ucrânia: “será derrotada militarmente” dada a vantagem numérica das forças russas. Neste pior cenário, continua o especialista, poderemos ter no futuro uma partição do país: uma Ucrânia a leste do rio Dniepre e outra Ucrânia a oeste do rio Dniepre (e sem acesso ao Mar Negro). Já “a Rússia conseguiria aquilo que é mais importante para eles: uma buffer zone [zona-tampão] geográfica que a separa dos países da NATO”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL