Os vestígios arqueológicos da cidade romana de Balsa, localizada no concelho de Tavira, estão a ser ameaçados pelo retomar da actividade agrícola de uma empresa privada, cujos trabalhos tinham sido embargados em 2015, segundo o arqueólogo Manuel Maia.
Manuel Maia, que participou numa das poucas escavações arqueológicas realizadas no local, em 1977, considera Balsa como “a maior cidade romana existente no território que hoje é Portugal”, superando inclusivamente Olissipo (Lisboa), e critica a “falta de actuação das autoridades” durante dezenas de anos, em que os proprietários dos terrenos realizaram trabalhos agrícolas sem controlo, “destruindo vestígios arqueológicos únicos”.
A zona em causa é uma área de cerca de 15 hectares, localizada na freguesia de Luz de Tavira e inserida numa faixa de protecção do sistema lagunar da ria Formosa, onde se encontram vestígios arqueológicos da cidade romana de Balsa, detectados em 1866 mas sujeitos a poucas escavações arqueológicas.
A empresa espanhola Surexport, proprietária de uma exploração de frutos vermelhos no local, foi obrigada, em Novembro de 2015, a “parar de imediato” os trabalhos para a construção de estufas, depois de um embargo ordenado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve por violação do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN).
A empresa, com quem a Lusa tentou agora falar, sem sucesso, assegurou nessa ocasião que iria cumprir todos os requisitos legais exigidos pelas autoridades e estimou poder retomar a construção “em meses”, previsão que, conforme a moradora Benedicte Travaux disse à Lusa, se confirmou “lamentavelmente” agora.
A Lusa questionou a CCDR do Algarve e, segundo uma resposta escrita do presidente do organismo, Francisco Serra, os serviços confirmaram, numa fiscalização realizada a 5 de Abril passado, que “todas as estruturas para instalação de estufas ilegalmente cravadas no solo, na parte do terreno abrangida pela REN, tinham sido integralmente removidas”.
A empresa cumpriu assim as determinações da CCDR para “repor a legalidade no local”, acrescentou o organismo, precisando que “não emitiu qualquer parecer que reconheça à sociedade promotora do investimento agrícola legitimidade para a reinstalação das referidas estruturas na parte do terreno inserida em REN”, a única sobre a qual disse ter competência.
A Direcção Regional de Cultura do Algarve (DRCALgarve) também revelou que deu “parecer favorável condicionado” à operação da empresa por, na zona em causa, não haver qualquer vestígio arqueológico detectado pelos trabalhos de diagnóstico realizados por técnicos contratados pelo proprietário e exigidos após o embargo de 2015 para se poder pronunciar.
Benedicte Travaux, francesa residente na zona, disse à Lusa que, além dos vestígios arqueológicos, há problemas ambientais causados pelo “lixo proveniente dos plásticos das estufas e outros materiais químicos, como pesticidas, que contaminam aquíferos” subterrâneos e “chegam à ria Formosa”, danificando essa zona húmida protegida e parque natural.
Benedicte Travaux criticou o retomar de trabalhos agrícolas na zona e assegurou que fará “tudo o que estiver ao alcance” para evitar impactos ambientais negativos e a destruição do património arqueológico existente, a par de vizinhos e associações como a Tavira em Transição, que tem organizado iniciativas para sensibilizar a população e alertar a sociedade civil para o problema.
(Agência Lusa)