O Presidente da República afirma que em 2017, em Tancos, o então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, lhe sugeriu que falasse com o diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, mas isso nunca chegou a acontecer.
No depoimento escrito que hoje prestou como testemunha no processo de Tancos, divulgado no portal da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa declara que, sobre este caso, decidiu ter “como interlocutor, apenas, a senhora procuradora-geral da República, naturalmente sempre dentro dos estritos limites da lei, nomeadamente, da autonomia do Ministério Público”.
“Isto assim seria com a senhora procuradora-geral da República em funções, a senhora doutora Joana Marques Vidal, durante mais de um ano, tal como, depois, com a sua sucessora, a senhora doutora Lucília Gago. Em conformidade, nunca falou com o diretor da PJM”, acrescenta.
Sobre a visita que realizou aos Paióis Nacionais de Tancos, no dia 04 de julho de 2017, na sequência da divulgação pelo Exército do furto de material de guerra daquela base militar, o Presidente da República refere que fez primeiro um percurso a pé no exterior e em seguida “sugeriu reunião para esclarecimento do acontecido”.
“No decurso dessa reunião, agentes da PJM expuseram diligências e conclusões, aludindo a escuta levada ao conhecimento do Ministério Público – tempos antes do desaparecimento do material militar – com eventual utilidade para o mais tarde acontecido, que não teria sido reportada a nenhuma autoridade militar, bem como a intervenção da Polícia Judiciária, sob a direção do Ministério Público, que estaria a criar problemas à sua atuação”, lê-se no seu depoimento.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “na sequência das mencionadas alusões, secundadas pelo diretor da instituição, pedindo ao Presidente da República que interviesse junto do Ministério Público, também quanto à avocação da investigação, o Presidente tomou nota do que ouvira e disse que iria transmitir essas preocupações à senhora procuradora-geral da República [Joana Marques Vidal] e, sendo caso disso, à senhora ministra da Justiça [Francisca Van Dunem]”.
“No termo da reunião, já à saída, por sugestão do senhor ministro da Defesa Nacional [José Azeredo Lopes] para que falasse com o diretor da PJM [Luís Vieira], o Presidente da República chamou-o e disse-lhe que iria falar com ele, oportunamente. O que não viria afinal a ocorrer, por razões adiante aduzidas”, afirma o chefe de Estado.
Marcelo Rebelo de Sousa relata que, “tal como houvera dito”, veio a falar “com a senhora procuradora-geral da República, que explicou as diligências promovidas pelo Ministério Público e o seu não acolhimento pelos magistrados judiciais competentes, a razão de ter despachado avocando a investigação sobre Tancos e, portanto, que o Ministério Público iria dirigir essa investigação”.
“Perante o exposto, o Presidente da República decidiu ter, no caso de Tancos, como interlocutor, apenas, a senhora procuradora-Geral da República”, acrescenta.
O furto de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos, no distrito de Santarém, foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017. No mesmo dia o Ministério Público abriu um inquérito sobre o sucedido por suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional.
Em 18 de outubro do mesmo ano a PJM comunicou ter recuperado nessa madrugada o material de guerra furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, com a colaboração do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.
Em 25 de setembro de 2018, no âmbito do inquérito dirigido pelo Ministério Público, coadjuvado pela Polícia Judiciária (PJ), foram detidos vários militares da PJM, incluindo o seu diretor na altura, Luís Vieira, e da GNR, e efetuadas buscas, numa operação com o nome de código “Húbris”.
De acordo com o Ministério Público, a recuperação do material constituiu uma encenação da PJM, em conivência com o autor do furto e a GNR de Loulé.
O processo sobre o furto e as circunstâncias da posterior recuperação de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos, que tem entre os seus 23 arguidos o anterior ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, e o ex-diretor da PJM, coronel Luís Vieira, começou a ser julgado no dia 02 de novembro, em Santarém.