Numa altura em que alguns supermercados assumem o compromisso de não vender ovos de galinhas criadas em gaiolas, assistimos a uma reportagem na televisão, em que os consumidores entrevistados afirmavam desconhecer, e consequentemente não terem em consideração, a forma como são tratadas as galinhas poedeiras. Atendendo ao número de animais envolvidos e ao sofrimento a que estão sujeitos, este é considerado o animal que mais sofre à face da Terra.
A implementação de qualquer melhoria nas condições de vida das galinhas, ao ter um impacto na vida de milhões de animais, reduz significativamente a quantidade de sofrimento global. As nossas acções/escolhas têm consequências e é preocupante verificar que existem consumidores que desconhecem existirem opções que envolvem menos sofrimento. Já não considerando, para este efeito, opções isentas de sofrimento!
No dia 7 de julho de 2012, um proeminente grupo internacional de neurocientistas reuniu-se na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, para reavaliar os substratos neurobiológicos da consciência, tanto em animais humanos como não humanos, concluindo que “as redes emocionais e os microcircuitos cognitivos de mamíferos e aves parecem ser muito mais homólogos do que se pensava anteriormente.” Após as suas conclusões, estes cientistas declararam que “(…) o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo os polvos, também possuem esses substratos neurológicos.”
Uma pessoa comum no mundo desenvolvido comerá, no seu tempo de vida, aproximadamente 550 aves, 36 porcos, 36 ovelhas e 8 bois, mais 10.000 ovos e o equivalente a 18 toneladas de leite, como fluido ou derivados.
Os problemas maiores surgem quando a intensificação é ampliada para se aumentar a produção. As poedeiras em gaiolas industriais são alimentadas, vacinadas e protegidas de predadores, porém, não são tratadas quando doentes por causa do seu baixo valor de mercado e a sua liberdade de escolha e movimentos é restrita de forma muito severa. A área de piso total para a sua manutenção é normalmente mais pequena que o tamanho de uma folha de papel A4, e a ave pode não ser capaz de se levantar e de realizar comportamentos normais e essenciais, tais como andar, esgravatar, bater as asas, aninhar-se ou tomar banho de areia. Nas gaiolas industriais, o ambiente sobrelotado e estéril é tão restritivo que, ao não permitir satisfazer as necessidades comportamentais e fisiológicas, resulta numa vida de sofrimento para as galinhas. Independentemente do número de funcionários e dos cuidados prestados aos animais neste sistema, o seu bem-estar permanecerá pobre e o sofrimento inevitável.
O principal problema inerente às explorações de poedeiras, em qualquer um dos sistemas de criação, é representado pelas fracturas ósseas, tanto durante o ciclo de postura quanto durante a remoção das aves das instalações. Isto deve-se à selecção genética para alta produtividade, reduzindo os níveis de cálcio no organismo. Para comparação, uma galinha progenitora de “frangos de carne” produz aproximadamente metade do número de ovos de uma poedeira, cerca de 150 ovos por ano.
Nas empresas comerciais que mantêm as aves em grupos de tamanho grande verificam-se altos níveis de bicadas agressivas, medo, stress e alta mortalidade. Isto deve-se ao facto destas aves não serem capazes de formar uma hierarquia estável em grupos com mais de 100 animais. Existe um alto grau de medo entre aves que talvez não conseguem deslocar-se pelo espaço disponível. A redução de movimentos pode ser exacerbada pela cobertura inadequada da área e pela protecção deficiente contra predadores. Por causa da necessidade de rotação de áreas, estas podem ser estreitas e compridas, aumentando desta forma a distância para a periferia e reduzindo a motivação para deambular. Os danos causados pelas bicadas agressivas são resolvidos pela indústria através da amputação do bico. Existe uma quantidade considerável de trabalhos que demonstram que as galinhas sofrem uma dor considerável quando utilizam bicos amputados, que são altamente inervados, podendo ocorrer a formação de neuromas na superfície amputada.
Para serem vendidos, os ovos devem ter um código impresso na embalagem e na própria casca que informa os consumidores do modo de criação das galinhas, do país de origem do produto e do número de identificação da exploração.
O primeiro dígito inscrito revela o modo de criação das galinhas correspondendo o 0 ao modo de produção biológica (são ovos provenientes de galinhas criadas de forma biológica em que cada ave tem, pelo menos, 4 m2 de espaço ao ar livre e, no interior, cada pavilhão não pode ter mais de seis galinhas por metro quadrado); o 1 ao ovo de galinha criada “ao ar livre” (os pavilhões são idênticos aos das galinhas criadas no solo, mas as aves devem ter acesso durante o dia a espaços ao ar livre, essencialmente cobertos de vegetação, onde cada animal tem direito a, pelo menos, 2,5 m2); o 2 ao ovo de galinha criada no solo (as galinhas vivem em pavilhões fechados, onde se podem mover mais ou menos livremente. A densidade animal não deve ser superior a nove galinhas por m2 e os animais têm acesso a ninhos e poleiros) e o 3 ao ovo de galinha criada em gaiola (são os ovos mais comuns. As galinhas estão confinadas a um espaço útil inferior ao de uma folha A4. Tudo está mais ou menos automatizado, tem baixos custos de produção, mas é o sistema com maior prejuízo para o bem-estar dos animais).
O bem-estar de um animal é inteiramente independente da nossa percepção do seu bem-estar e inteiramente dependente da percepção do animal. Como o professor Webster, da Universidade de Bristol, Reino Unido, escreveu: “Do ponto de vista dos animais, não importa o que pensamos ou sentimos, mas o que fazemos por eles.” Se estamos em dúvida quanto ao estado de bem-estar de um animal, basta imaginar como a situação parece ao animal. E devemos fazer refletir as nossas preocupações nas nossas escolhas de consumo.
(CM)