As tropas russas estarão prestes a esgotar as suas capacidades de combate, e, em breve, serão forçadas a interromper a ofensiva na região do Donbas, de acordo com previsões de serviços secretos ocidentais e especialistas militares. “Chegará o momento em que os pequenos avanços que a Rússia está a fazer se tornarão insustentáveis perante os custos, e os militares russos precisarão de uma pausa significativa para regenerar a capacidade ofensiva”, disse, de acordo com o jornal “The Washington Post”, um alto funcionário ocidental, sob condição de anonimato.
Nas últimas semanas, têm sido notícia os contínuos avanços russos no leste ucraniano, com a captura mais recente da cidade de Severodonetsk, o maior centro urbano tomado pela Rússia desde o lançamento desta ofensiva no Donbas, há quase três meses. Os russos aproximam-se agora da cidade adjacente, Lysychansk, na margem oposta do rio Donets. A captura da cidade daria à Rússia o controlo quase completo de Luhansk, uma das duas províncias que compõem a região dp Donbas. O controlo de Donbas é, aliás, o objetivo tornado público da dita “operação militar especial” da Rússia, embora a invasão que, desde fevereiro, tem sido feita em várias frentes, tenha deixado claro que as ambições de Moscovo são muito mais ambiciosas.

Capturar Lysychansk é um desafio, por se encontrar em terreno mais alto e por ter o rio Donets a impedir os avanços russos a partir de leste. Em vez disso, as tropas russas estão decididas a cercar a cidade pelo oeste, pressionando a sudeste de Izyum e a nordeste de Popasna, na margem oeste do rio.
De acordo com algumas contas russas no Telegram, e segundo revelou a vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Anna Malyar, os militares russos estão sob pressão para dominar toda a região de Luhansk até domingo. No entanto, tais progressos dependem do gasto de grandes quantidades de munição, principalmente de projéteis, que têm sido disparados a uma velocidade que quase nenhum exército do mundo seria capaz de sustentar por muito tempo, considerou ainda o alto funcionário ocidental.
A Rússia continua a sofrer perdas pesadas de equipamentos e a registar muitas baixas. O primeiro-ministro britânico analisou as avaliações dos serviços secretos, e admitiu que a Rússia poderá continuar a combater apenas pelos “próximos meses”. Depois disso, “a Rússia pode chegar a um ponto em que esgotou os seus recursos”, disse Boris Johnson, em declarações ao jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”.
Em entrevista ao Expresso, Michael Clarke, tem um longo currículo enquanto consultor na área da Defesa no Reino Unido, já tinha considerado, ao analisar as forças russas: “Se os russos quiserem capturar Kiev, só daqui a um ano, depois de uma mobilização militar nacional significativa.” Justin Bronk, que integra o think tank britânico Rusi (Royal United Services Institute) e estuda, há seis anos, as Forças Armadas da Rússia, também já tinha sublinhado, em declarações ao Expresso, que o exército russo está perto dos seus limites ofensivos na Ucrânia.
As dificuldades começam também a ser notadas por comentadores russos, que enfatizam cada vez mais a escassez crónica de soldados no terreno. “A Rússia não tem força física suficiente na operação militar especial na Ucrânia, tendo em conta que a linha de confrontos tem uma extensão de mil quilómetros (ou mais)”, escreveu o bloguer militar russo Yuri Kotyenok, no Telegram. Yuri Kotyenok estimou que a Rússia precisaria de 500 mil soldados para atingir os seus objetivos, o que só seria possível com uma mobilização em larga escala, mas esse é um passo potencialmente arriscado e que se poderia revelar impopular, pelo que Vladimir Putin absteve-se, até agora, de o dar.
O recrutamento intenso de soldados contratados e reservistas ajudou a acrescentar entre 40 mil e 50 mil militares às tropas russas, substituindo os desaparecidos ou tornados incapazes nas primeiras semanas de combates, de acordo com as autoridades ucranianas. Outro dos sinais de escassez que a Rússia tem dado é o recurso a tanques antigos, que se encontravam armazenados em bases de todo o país, para serem atirados para as linhas da frente na Ucrânia.
Os russos ainda mantêm vantagem sobre as forças ucranianas. As autoridades da Ucrânia calculam que as baixas de soldados sejam 200 por dia. Os ucraniano também perderam ainda quase a totalidade da munição da era soviética que tinham, da qual os seus sistemas de armamento dependem, e ainda estão em processo de transição para os sistemas ocidentais.
De acordo com os analistas, as condições de combate das tropas ucranianas só deverão melhorar à medida que armas ocidentais mais sofisticadas cheguem ao território. Ainda assim, e apesar das demoras, trata-se de um fator com que as forças russas não podem contar, vendo-se obrigadas a socorrer-se de equipamentos antigos e desatualizados, garante Ben Hodges, antigo comandante das forças dos EUA na Europa, e que agora trabalha no Centro de Análise de Políticas Europeias. Em algum momento dos próximos meses, os ucranianos terão recebido armamento ocidental suficiente para que possam iniciar a contraofensiva e reverter a tendência que favorece, para já, a Rússia.
“Continuo muito otimista e convencido de que a Ucrânia vencerá, e de que, até ao final deste ano, os ocupantes russos serão expulsos e levados de volta à fronteira [na Crimeia e no Donbas] de 24 de fevereiro. A minha avaliação é de que as coisas melhorarão e de que as correntes começarão a soprar a favor da Ucrânia nas próximas semanas.”
REMESSAS DE ARMAMENTO OCIDENTAL PODERÃO FAZER A DIFERENÇA
O fornecimento de armas ocidentais à Ucrânia está a ganhar novo ritmo. Veículos blindados franceses (recém-chegados ao território ucraniano) foram filmados em ação no campo de batalha na semana passada. Uma semana depois, foi a vez dos alemães, Panzerhaubitze 2000, o primeiro tipo de armamento pesado disponibilizado pela Alemanha ao país invadido.
No sábado, o Ministério da Defesa da Ucrânia partilhou imagens em vídeo dos sistemas americanos HIMARS a serem disparados pela primeira vez em combate. A Ucrânia conseguiu obter, por parte dos Estados Unidos da América, o sofisticado lançador múltiplo de foguetes, que permitirá à Ucrânia atacar as tropas russas a grandes distâncias.
Mattia Nelles, analista político alemão que estuda a Ucrânia, acredita, no entanto, que também os ucranianos mantiveram um alto nível de sigilo operacional, tornando difícil saber, por exemplo, quantos soldados ainda se encontram na área de Lysychansk ou até a verdadeira taxa de óbitos.
Outra incógnita é a dimensão dos stocks de artilharia russos, que os serviços secretos ocidentais inicialmente subestimaram, sustenta o analista. Mas também é verdade que Moscovo esperava uma guerra curta, com as forças ucranianas a sucumbirem rapidamente, pelo que os russos não empreenderam esforços para aumentar a produção de armamento antes da invasão. Mesmo que o tenham feito agora, a indústria de defesa russa não tem capacidade para acompanhar a velocidade com que a Rússia gasta projéteis.
Michael Kofman, diretor de estudos russos do Centro de Análise Naval, defende, entrevistado no podcast “Geopolitics Decanted”, que, embora as forças ucranianas estejam a atravessar um momento difícil, não se encontram “em perigo de colapso”. As pequenas conquistas territoriais obtidas recentemente pela Rússia são menos significativos do que o equilíbrio geral de poder no campo de batalha, comentou Michael Kofman. “Também se trata de uma disputa de material, de quem vai ficar sem equipamentos, munições e das melhores unidades mais cedo. Provavelmente esgotar-se-ão durante o verão, e haverá, então, uma pausa operacional.”
Contudo, a Ucrânia deverá receber, nos próximos tempos, quantidades suficientes de armamento e munição, capacitando-se para entrar na contraofensiva e começar a fazer recuar as tropas russas, concluem os analistas.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL