A guerra traz à superfície o lado mais negro da humanidade, a morte e a destruição têm sido relatadas desde o início da invasão russa à Ucrânia. Apesar de receios face à escalada de tensões entre Ocidente e Rússia, sanções têm sido disparadas reciprocamente, enquanto a Ucrânia tenta manter-se intacta.
O massacre em Bucha despertou o mundo para as consequências da guerra. Vídeos de corpos espalhados na via pública têm chocado os líderes internacionais, que acusam Putin de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Isto enquanto Moscovo nega “categoricamente” essas acusações e tece uma teoria de “encenação por parte da Ucrânia”.
O QUE SÃO CRIMES DE GUERRA?
Os crimes de guerra correspondem a violações do direito internacional em contexto de guerra, em que se colocam em causa os direitos humanos.
De acordo com o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, os crimes de guerra podem abranger:
- Morte deliberada;
- Tortura ou tratamento desumano;
- Causar voluntariamente grande sofrimento;
- Destruição extensiva e apropriação de bens não justificada por necessidade militar e levada a cabo de forma ilegal e gratuita;
- Agressão a prisioneiros.
O Tribunal Penal Internacional, o primeiro tribunal mundial permanente para crimes de guerra, define-os como “graves violações” das Convenções de Genebra, um conjunto de atos cometidos durante conflitos militares, que são condenáveis e proibidos.
Os crimes de guerra contém dois elementos principais:
- Contextual: “a conduta ocorreu num contexto de conflito armado e/ou associada a um conflito armado”;
- Mental: intenção e conhecimento tanto no que diz respeito ao ato individual como ao elemento contextual.
Os crimes de guerra podem ser cometidos contra uma diversidade de vítimas, quer combatentes ou não combatentes. Ao invés, os crimes contra a humanidade estão associados a atos cometidos num contexto de ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil. Em contrapartida, o termo “genocídio” reporta para a intenção de dizimar, total ou parcialmente, um grupo social, étnico ou religioso.
COMO CONSTRUIR UM CASO QUE COMPROVE CRIME DE GUERRA?
Qualquer caso presente a tribunal tem de estar bem sustentado por sólidas provas. Neste sentido, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, indicou, citado pelo jornal The Guardian, que existem quatro fontes principais de provas:
- Informação recolhida pelos EUA e aliados, incluindo fontes dos serviços secretos;
- Esforços da Ucrânia no terreno para desenvolver um caso e documentar a perícia de assassinatos;
- Material de organizações internacionais, incluindo ONU e ONG;
- Conclusões dos meios de comunicação global independentes com fotografias, entrevistas e documentação.
PUTIN PODE SER RESPONSABILIZADO PELAS AÇÕES DAS TROPAS RUSSAS?
Na teoria, as ações das tropas russas são ações comandadas pelo Presidente da Rússia. Vladimir Putin e os restantes políticos e aliados podem vir a ser acusados de cometerem crimes de guerra.
Contudo, o caso não é tão simples quanto parece. Para confirmar que existiu uma ordem direta para as tropas atacarem ilegalmente, são precisas provas. Um caso isolado é mais difícil de comprovar, mas se existir um padrão mais amplo em toda a Ucrânia, a acusação torna-se mais convincente.
A responsabilidade não cai apenas sobre a ordem de atacar, mas também sobre o conhecimento destes ataques e não terem sido, consequentemente, evitados.
QUAL O PAPEL DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL?
O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi estabelecido há 20 anos para levar a julgamento perpetradores de genocídio e crimes contra a humanidade. Porém, os EUA, a China, Rússia e Ucrânia não são membros deste tribunal.
O procurador-chefe do TPI, Karim Khan, explicou que tinha sido aberta uma investigação de crimes de guerra quando as tropas russas invadiram a Ucrânia. Apesar de não ser signatária, a Ucrânia aprovou uma investigação que remonta a 2013, que inclui a anexação da Crimeia.
O Tribunal emitirá mandados de captura se os procuradores puderem demonstrar “motivos razoáveis” para acreditar que foram cometidos crimes de guerra. As hipóteses da Rússia cumprir são bastante escassas e o Tribunal não pode julgar ninguém in absentia (que ocorre sem a presença de).
Jake Sullivan, o conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, esclareceu que apesar dos EUA não serem signatários, “já colaboraram com o Tribunal no passado noutros contextos”.
PAÍSES PODEM CRIAR TRIBUNAL ESTILO “NUREMBERGA”?
Outra opção seria o Tribunal de Nuremberga, que foi criado por um grupo de países – EUA, Reino Unido, França e URSS – para julgar os líderes nazis após a II Guerra Mundial.
Os julgamentos de Nuremberga resultaram da decisão da Conferência de Potsdam e tiveram como fim julgar 24 membros do partido nazi e seis organizações, acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
SERIA MAIS FÁCIL PROCESSAR PUTIN POR CRIMES DE AGRESSÃO?
Segundo o The Guardian, “seria mais fácil processar Putin pelo crime de agressão”, depois de ter provocado uma guerra contra outro país soberano.
O Tribunal Penal Internacional não tem jurisdição sobre a Rússia pelo crime de agressão, visto que a Rússia não é signatária.
Porém, no mês passado, dezenas de advogados e políticos, incluindo o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano e o antigo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, lançaram uma campanha para criar um tribunal especial para julgar Moscovo pelo crime de agressão contra a Ucrânia.
- Texto: SIC Notícias, televisão parceira do POSTAL