“Se conseguirmos orientar a nossa sociedade (Estado e sociedade civil) na direção do futuro, que é inelutavelmente a da sustentabilidade ambiental, da restauração da natureza e da descarbonização da economia, Portugal tornar-se-á também num lugar admirável”, afirmou esta segunda-feira Tiago Pitta e Cunha, ao receber o Prémio Pessoa 2021.
O administrador executivo da Fundação Oceano Azul, que largou a advocacia para se dedicar “a servir a causa do mar”, é o 35º premiado desde que o prestigioso galardão que destaca o trabalho e a obra de personalidades portuguesas das Artes, da Cultura e da Ciência foi criado em 1987, por iniciativa do Expresso e da Caixa Geral de Depósitos. Para o júri, presidido por Francisco Pinto Balsemão (presidente do júri e do Grupo Impresa – dono do Expresso), o Prémio reconhece a Pitta e Cunha “o empenho na defesa dos Oceanos” ao longo de quase metade da sua vida.
“O nosso fim último é tornarmo-nos uma das potências marítimas do século XXI”, ou pelo menos, “vale a pena tentar”, frisou o Prémio Pessoa 2021 ao receber o galardão, numa cerimónia na Culturgest, esta segunda-feira. No entender do laureado, para “um país que chegou atrasado aos dois séculos precedentes, é fundamental romper com esse destino e não chegar atrasado ao século XXI”.
A mudança de paradigma, na opinião de Pitta e Cunha, passa por apostar “no mar como o principal capital natural do país”. Já que, argumentou, “ao contrário da Suíça ou da Holanda, Portugal não é um país rico em capital financeiro, industrial ou manufaturado”, mas sim “mais rico do que os demais países europeus seguramente em capital natural de origem marinha”.
A mensagem seguiu-se a receber o prémio das mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa cerimónia que contou com a presença de Francisco Pedro Balsemão e Emílio Rui Vilar, presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), assim como de vários ministros e representantes do Governo.
CAPITAL NATURAL, BIOECONOMIA AZUL E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Tiago Pitta e Cunha aproveitou o discurso para partilhar o galardão com a Fundação Oceano Azul, que dirige há seis anos, assim como com todos os que o acompanharam nestas mais de duas décadas de dedicação aos oceanos. Entre eles, lembrou Alexandre Soares dos Santos que “compreendeu que o cruzamento do destino de Portugal com os oceanos será mais importante este século”; e o ex-Presidente Cavaco Silva, a quem atribuiu a “normalização” do mar na vida política portuguesa, “numa altura em que o tema era exótico”.
Hoje o mar já não é um tema tão “exótico” e Tiago Pitta e Cunha quer contribuir para “retirar da gaveta do império a geografia avassaladoramente marítima que lá encerrámos há 50 anos” e levar o país a apostar “no nosso capital natural”. Aqui, entram a energia eólica offshore, as novas formas de aquacultura de algas e bivalves ou a biotecnologia marinha à escala industrial.
“O mar é um fator alternativo que vai ser determinante para descarbonizar a energia, os transportes e a indústria da alimentação. Portugal deve compreender isto”, frisou. Para Pitta e Cunha, Portugal tem potencialidades para ser exportador de energia eólica offshore – “ao invés de sobrecarregar mais ainda o território terrestre com parques fotovoltaicos de proporções absurdas “–, para apostar na construção e reparação naval ou ambicionar “fazer de Sines um dos 50 maiores portos do mundo”.
Como “aposta número um do país no mar” aponta para a biotecnologia e bioeconomia azul, “pelo valor acrescentado que pode gerar e pelas condições que encontramos em Portugal, um país rico em biodiversidade marinha”. Em seu entender, estas são as “condições para ser o primeiro hub europeu de bioeconomia azul”.
Frisando que vivemos “tempos voláteis” – com uma guerra na Europa em curso, uma pandemia e políticas nacionalistas que ganham terreno – Pitta e Cunha sublinhou a necessidade de “compreensão de que estamos irreversivelmente a delapidar o planeta, em particular o oceano, que é o suporte da nossa e de toda a vida na Terra e que temos a necessidade imperiosa de combater a crise climática, mudando de paradigma económico”. O caminho passa, segundo o laureado, pela passagem de uma economia linear, extrativa, assente na queima de combustíveis fósseis, “para a nova economia verde, circular, assente em energias renováveis, em modelos de consumo mais moderados e em novas dietas alimentares.”
Porque oceanos e alterações climáticas estão ligados, o CEO das Fundação Oceano Azul recordou que se vive hoje “numa corrida contra o tempo”, tendo em conta os dados do último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Este aponta para que as emissões globais de gases de efeito de estufa cheguem ao pico em 2025, para que se consiga ainda atingir o objetivo de travar o aquecimento global a não subir mais de 1,5ºC.
Com o relógio do mundo em count down, Pitta e Cunha confia que o século XXI “dará lugar a uma nova revolução, a revolução ambiental, onde a natureza passará de último para primeiro e será integrada na economia”. E nesta equação entra “o mar, o oceano que une todos os continentes e países e é o maior sistema de suporte da vida na Terra”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL