O número de pessoas a beneficiar de apoio alimentar através do movimento de voluntários Refood quadruplicou em Faro face a 2019, número que deverá continuar a subir devido ao final da época turística no Algarve.
“Já ultrapassámos largamente as 400 pessoas que estão a ser beneficiadas, entre crianças e adultos são mais de 165 famílias. São muitos agregados familiares para uma cidade como Faro, com 50 mil habitantes”, disse à Lusa o coordenador da Refood em Faro.
Segundo Carlos Reis, o número de pessoas apoiadas passou de 114 em 2019 para mais de 400 em novembro de 2021, aumento acelerado pela pandemia da covid-19 e, agora, pelo final do verão no Algarve, região marcada pelo emprego sazonal.
“Os meses de julho, agosto e setembro foram estáveis, mas depois, a partir de outubro, os pedidos começaram a aumentar muito e agora, em novembro, então, tem sido muito mais”, relatou, atribuindo o aumento à sazonalidade do emprego.
Depois de um verão atarefado, “em setembro as pessoas começaram a ficar sem trabalho e a perspetiva é que em dezembro, janeiro as coisas fiquem ainda piores”, sublinhou, notando que só na última semana entraram 12 famílias para a Refood.
“Estas 12 famílias correspondem a cerca de 30 pessoas, é um aumento muito grande no espaço de uma semana”, refere, estimando que o número de beneficiários “pode chegar aos 500 no espaço de algumas semanas ou um mês”.
Além do facto de os pedidos de apoio não pararem de crescer, existe atualmente “uma grande diferença” no perfil de pessoas que recorrem à Refood: algumas são licenciadas, têm emprego, mas mesmo assim não conseguem fazer face às suas despesas.
Segundo Carlos Reis, são pessoas “com vidas completamente estruturadas que, de um momento para o outro, se viram em processos de ‘lay-off’ ou despedimento e que, pela primeira vez na vida, de uma forma muito envergonhada e muito difícil, tiveram que pedir apoio alimentar”, nota.
“São pessoas que nunca pensariam que iam estar numa situação em que pedissem apoio alimentar. A comida é uma necessidade básica e é das últimas coisas que nós achamos que não vamos conseguir ter e, principalmente, não vamos conseguir dar aos nossos filhos”, frisa.
É o caso de Joana, de 39 anos, que trabalhava num restaurante e foi despedida no início da licença de maternidade do quarto filho, em janeiro de 2020, quando os patrões decidiram rescindir-lhe o contrato sem comunicação.
Ter encontrado a Refood foi como terem “caído anjos do céu”, conta, pois não só recebe apoio alimentar, como ajuda para outras coisas de que necessita, entre fraldas e outros artigos para os seus dois filhos bebés.
Numa casa com sete pessoas – a filha mais velha tem 13 anos e a mais nova pouco mais de um mês -, apenas entra um salário, o do marido, dinheiro que dá para pagar a renda de casa. Por isso, diz, o apoio da Refood é fundamental para “salvar” as refeições da família.
Já Lara, de 62 anos, apesar de viver sozinha com o seu gato e já não ter os filhos a cargo, viu-se obrigada a pedir ajuda depois de ter sido despedida, em janeiro de 2020, mesmo antes de rebentar a pandemia de covid-19.
Um problema de saúde levou a que a auxiliar de ação médica tivesse de fazer duas operações à cervical, a partir daí ficou de baixa e a instituição onde trabalhava rescindiu-lhe o contrato, deixando, também, de a apoiar a nível alimentar.
“Não tinha possibilidades sequer para me alimentar. Não conseguia sobreviver sem uma ajuda, porque na altura a outra instituição dava-me ajuda, depois deixou de dar e eu vi-me sozinha e desamparada”, desabafa.
Pediu apoio em junho deste ano depois de uma amiga da vizinha de baixo lhes ter falado na Refood, movimento voluntário que recolhe e distribui as refeições excedentárias de restaurantes e supermercados, assim como cabazes de alimentos.
“Sem a Refood não conseguiria sobreviver, tenho renda de casa para pagar, embora viva sozinha, porque os meus filhos já são crescidos”, sublinha, acrescentando que, por vezes, também recebe ajuda dos filhos, de amigos e do ex-marido.
Com a voz embargada e as lágrimas a brotar-lhe dos olhos diz que a vizinha é a mãe que nunca teve, porque a ajuda de que precisa não é só “de mantimentos e comida, mas também de carinho e amor”, o que ajuda bastante alguém numa situação tão vulnerável.
“Eu já estive alto, já fui casada, já estive empregada e agora estou numa situação em que, às vezes, via os outros e metia-me pena, devido à minha profissão. São situações que só quem passa é que sabe”, reconhece.
A Refood tem quatro núcleos ativos no Algarve e 250 voluntários ativos no núcleo de Faro, número que apesar de parecer grande não o é, já que seriam necessários pelo menos 350 para fazer face a todos os turnos.
“É um movimento que está a crescer no Algarve e esperamos que, no futuro, todas as cidades no Algarve possam ter uma Refood”, conclui Carlos Reis.