Em Portugal, desde 2014 que “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão ou pena de multa”.
Para muitos este é apenas mais um passo no respeito que existe pelos animais e sua preservação. Para outros parecem ser exageros de legisladores urbanos, elevando os animais a um estatuto de quase intocáveis, não tendo em conta usos e costumes da nossa sociedade.
Sendo leis relativamente recentes é natural que exista um período de adaptação por parte dos cidadãos e que muitas dúvidas surjam quanto à correcta aplicação e interpretação das mesmas. É um facto que existe uma relação bem documentada entre crueldade intencional para com animais e outros tipos de crime, incluindo violência contra pessoas. Detectando e corrigindo maus tratos a animais pode ser um contributo muito válido para, por exemplo, prevenir casos de violência doméstica ou sobre crianças.
Mas o que pode ser considerado maus tratos? Como avaliar a dor, sofrimento e maus tratos físicos?
A crueldade para com animais pode tomar diferentes formas: desde os actos intencionais de violência gratuita para com eles até à negligência por incapacidade de zelar pelo bem-estar de um animal a nosso cargo. Existem condenações relativas a animais presos sem água e comida; outros acorrentados e expostos às intempéries; alguns em espaços tão limitados que não se conseguem mover; também animais agredidos ou alvejados, etc…
Uma das formas de negligência que tem vindo a lume é a dos acumuladores compulsivos, também reconhecido como Síndrome de Noé. Muitas vezes são dezenas a centenas de animais recolhidos em espaços contíguos e sem condições de salubridade, sem que o seu responsável tenha a noção do mal-estar de que esses animais padecem e estando convencido que é o único cuidador que lhes pode garantir as necessidades básicas.
Os cinco princípios fundamentais que orientam e são a base em matéria de bem-estar animal foram inicialmente desenvolvidos para animais de produção. No entanto são facilmente sobreponíveis às necessidades de qualquer outro tipo de animal. São eles:
- Livres de sede e fome, permitindo a disponibilidade de água fresca e alimento adequado;
- Livres de desconforto, proporcionando um ambiente adequado incluindo um abrigo e uma zona de descanso confortável;
- Livres de dor, ferimentos e doenças, prevenindo ou diagnosticando e tratando com rapidez;
- Livres para expressar comportamentos naturais, provendo o espaço suficiente, instalações adequadas e quando aplicável companhia de animais da mesma espécie;
- Livres de medo e angústia, fornecendo as condições e tratamentos necessários que evitem sofrimento mental.
Se estes princípios parecem à primeira vista óbvios, nem sempre é fácil saber os limites do que pode ser admissível ou do que ultrapassa o razoável… Ainda assim o bom senso, o completo conhecimento do que envolve actos passíveis de ser considerados maus tratos e ainda as orientações técnicas de profissionais habilitados devem balizar esses mesmos limites. Por exemplo, ter um cão num canil tão pequeno em que os seus dejectos se tornam a sua cama não será natural; já ter um cão acorrentado, para evitar que este deambule, mas passeando-o adequadamente para o seu porte e necessária actividade física, e com um comprimento de corrente que o permita abrigar-se adequadamente e realizar as suas necessidades em local afastado, poderá não ser o ideal mas seguramente será menos “cruel” que permitir que este ande livremente pelas estradas nacionais sujeito a ser atropelado!
Porque não existe uma sociedade perfeita, mas importa sermos em conjunto uma sociedade mais equilibrada, sempre que existe a possibilidade de presenciar actos de crueldade para com animais fale primeiro com quem os está a praticar (se for possível): compreenda as razões e sensibilize / transmita soluções possíveis. Só se não conseguindo esse diálogo e as suas dúvidas subsistam deve então falar com as autoridades competentes (forças policiais e médico veterinário municipal). Pode ainda, potencialmente, comunicar com as associações zoófilas cujo trabalho meritório seja reconhecido publicamente e fruto da colaboração com as autoridades atrás referidas.
Criminalizar pode levar a punições, mas mais importante é educarmo-nos a todos nós nesta matéria e zelar por uma vida sem sofrimento dos animais a nosso cargo!