Existem muitos argumentos a favor da tauromaquia, mas todos eles partem de premissas erradas.
Para a tortura, crueldade e sofrimento, estando a nossa sociedade ciente do que se trata, não há justificação possível. Não obstante, ainda existem pessoas que preferem esconder-se atrás da palavra cultura, e assim disseminarem a ideia de que abolir não é o caminho.
Importante relembrar que para práticas ofensivas aos nossos valores enquanto sociedade, e tão sanguinárias como esta, não deve existir receios de abolir por decreto.
Engraçado será fazer uma retrospetiva aos tempos em que a escravatura era uma realidade legal e enraizada nos costumes da nossa e também noutras sociedades. Os argumentos antes utilizados agora parecem-nos absurdos em demasia.
Mas a História dá-nos grandes lições, e não será descabido revisitar tal argumentário, outrora muito utilizado.
Um dos argumentos a favor da escravatura era o da natureza, defendendo que as pessoas eram escravas pois tal fazia parte da ordem natural do universo, essas pessoas haviam nascido para serem escravas.
Também advogavam sobre a inferioridade, defendendo (veja-se hoje o absurdo) que os escravos não eram totalmente humanos, e mesmo que a escravatura fosse uma prática cruel e degradante, o sofrimento dos escravos era eticamente irrelevante, tal como o dos restantes animais.
Igualmente defendiam que a escravidão era positiva para os escravos, pois estes não conseguiriam sobreviver sozinhos. A este também acrescia o célebre argumento economicista, de que várias indústrias dependiam do trabalho escravo. No que respeita às touradas e eventos tauromáquicos falam dos postos de trabalho (sabendo nós que, na realidade, são muito poucos postos de trabalho na tauromaquia e que estes podem ser reconvertidos para algo mais útil).
E depois também alegavam que era muito difícil abolir a escravatura e que esta era legal e cultural.
Na verdade é legal até deixar de ser, cabe ao poder legislativo ter coragem e de facto fazer verter a vontade da população no nosso ordenamento jurídico nacional.
Sobre ser ou não ser cultural, integra o património cultural “todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objeto de especial proteção e valorização” (artigo 2.º da Lei de Bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural).
E é estabelecido que o Estado deve “proteger e valorizar o património cultural como instrumento primacial de realização da dignidade da pessoa humana” (artigo 3.º dessa Lei de Bases).
Desse conceito retiramos logo que só deve ser entendido como cultura, merecedora de especial proteção, aquilo que seja tão relevante que realize a dignidade da pessoa humana.
Ainda estaremos para compreender como nos dias de hoje ainda vinga, junto de alguns, o argumento que os eventos tauromáquicos são cultura e devem ser respeitados como tal, sabendo tudo o que envolvem e que em nada dignificam a pessoa humana, numa sociedade que se quer ditada por valores de ordem social, sendo Portugal uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana, na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como consagra a nosso Constituição da República.
Relembrar também que em Portugal há tempos, muito tempo atrás, as touradas foram proibidas em 1836, durante o reinado de Dona Maria II , mas tal proibição durou apenas nove meses.
Atualmente, é claro que nos encontramos na conjuntura certa para esta proibição perdurar.
Acresce a isto o absurdo que é um canal televisivo público transmitir eventos tauromáquicos que em nada contribuem para a valorização da cultura e em nada contribuem para o desenvolvimento da personalidade humana.
Assim, tal como outrora foi abolida a escravatura e assistiu coragem ao poder política para assumir esse caminho, nos nossos tempos, aqui em Portugal, já tarda a abolição desta triste e cruel realidade.
(CM)