Em março, o médico e investigador José Pereira da Silva publicou os resultados de um estudo com cerca de dois mil idosos: tinham todos mais de 70 anos, autonomia motora, estavam aptos do ponto de vista mental e não registavam quaisquer diagnósticos graves nos últimos cinco anos. Resumindo, “estavam razoavelmente bem de saúde à partida”, diz este reumatologista do Centro Hospitalar de Coimbra.
O estudo envolveu cinco países — Alemanha, França, Suíça, Áustria e Portugal — e concluiu que os portugueses não estavam assim tão bem de saúde. Pouco mais de um mês depois, o Eurostat publicou dados que confirmam isso: Portugal é um dos Estados-membros onde homens e mulheres vivem menos tempo livres de qualquer incapacidade ou limitação.
“Portugal é de longe o país [entre os cinco] com maior prevalência de vulnerabilidades na sua população idosa e ao mesmo tempo tem os níveis mais baixos de envelhecimento saudável”, explica Pereira da Silva, acrescentando que o país está mal numa série de indicadores sobre a saúde dos seus idosos: capacidades cognitivas, excesso de peso, dependências, carência de ferro, carência de vitamina D, entre outros.
“Há investimento em tratamento e cura, mas não há prevenção em saúde ao longo da vida”, lamenta Elísio Costa, coordenador do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo e Saudável da Universidade do Porto (Porto4Ageing), um projeto que alberga mais de 100 entidades com o objetivo de oferecer mais qualidade de vida na velhice.
Elísio Costa não tem dúvidas: este atraso português deve-se sobretudo a fatores educacionais e socioeconómicos. “A pobreza está frequentemente associada a menor literacia em saúde, a menor acesso a cuidados de saúde e, consequentemente, a menor qualidade de vida”, corrobora Helena Canhão, presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa.

Tudo isto fica mais visível durante a transição entre a idade ativa e a reforma. “Por norma, é um período muito difícil da vida das pessoas. Passam de uma fase ativa, em que estão a contribuir para a sociedade, para uma fase em que são menos valorizados”, diz Elísio Costa. Assim, há um “défice de medidas” que promovam a integração e independência desta população — algo que não acontece nos países do Norte da Europa, por exemplo. “Cá, a população envelhecida está sempre muito sozinha, sobretudo nos centros urbanos”, diz o investigador do Porto4Ageing.
É justamente num grande centro urbano que atua a Associação Mais Proximidade Melhor Vida (AMPMV), que apoia cerca de 120 pessoas idosas na zona da Baixa e da Mouraria, em Lisboa. Mafalda Ferreira, assistente social na associação, aponta que ainda há períodos em que os idosos ficam mais reticentes em sair de casa — sobretudo quando o número de casos de covid-19 aumenta —, mas tem uma impressão empírica positiva do pós-confinamento. “Temos feito várias atividades ao ar livre e noto abertura por parte deles para retomarem a vida normal e saírem de casa.”
SEM MEIOS NEM RECURSOS HUMANOS
O problema já é grande, será maior no futuro, e continuam a faltar meios. “Temos lares cheios de idosos doentes e dependentes que deviam estar em unidades de saúde familiares e de cuidados continuados. E é preciso investimento financeiro para transformar estas unidades”, realça Elísio Costa. Com o futuro da gestão do SNS em aberto, o investigador não põe as mãos no fogo por reformas: “Gostava de estar otimista, mas não estou.”
Também há falta de recursos humanos no sector do envelhecimento: neste momento, os concursos que Elísio Costa abre para trabalhar no Porto4Ageing são sobretudo preenchidos por emigrantes, com ou sem qualificações na área. “Teríamos um problema ainda maior se não fossem eles. São bem-vindos e a curto prazo são a nossa única solução”, diz o médico, que pede mais investimento para formar profissionais de gerontologia.
Para serem eficazes, as respostas do futuro têm de ser integradas: “Há um problema crónico no nosso país de baixa integração entre as áreas da saúde e social”, diz Helena Canhão, lembrando que são áreas que “institucionalmente estão em ministérios separados” e cujas políticas públicas raramente se tocam. “Os idosos têm necessidades de cuidados de saúde e de apoio social ao mesmo tempo, o que justifica uma política convergente nestas áreas”, refere.
Recentemente, houve uma tentativa nesse sentido: a “Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025” foi proposta por um grupo de trabalho interministerial há exatamente cinco anos, esteve em consulta pública e recebeu feedback de várias associações da sociedade civil. Mas depois desapareceu do mapa. Em janeiro de 2019, o grupo parlamentar do PAN perguntou ao Ministério da Saúde porque é que a estratégia ainda não tinha sido concretizada e quando é que isso aconteceria. Agora, o Expresso fez perguntas semelhantes ao Governo e à DGS (redatora principal do documento), mas não obteve respostas até ao fecho desta edição.
“A estratégia nacional existe, mas não é implementada no terreno. Há alguns projetos a decorrer entre várias instituições, mas não passam de ações isoladas”, diz o médico, lembrando ainda que o território e os cidadãos não são todos iguais: as necessidades de alguém a envelhecer em Bragança ou na Guarda são diferentes de alguém a passar pelo mesmo em Lisboa.
Envelhecer bem será uma exigência cada vez mais comum. “A população e os doentes do futuro apresentam alguns desafios semelhantes aos atuais, mas também necessidades, barreiras e expectativas muito diferentes”, sublinha Helena Canhão. Os idosos terão mais capacidades para aceder à informação e vão exigir que isso se traduza em cuidados de saúde mais amplos, incluindo à distância.
“As necessidades serão mais imediatas, e ao mesmo tempo haverá mais doenças crónicas e polifarmácia [toma de vários medicamentos em simultâneo]”, diz a docente. Invariavelmente, estes fatores vão conduzir a mais custos com a saúde desta faixa da população — e isso, num país envelhecido, com poucas qualificações e recursos limitados, devolve a discussão ao seu ponto inicial: a importância da prevenção. “Costumo dizer que para se ter uma vida ativa e saudável basta comer bem, fazer muito exercício e ter amigos”, resume Elísio Costa.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL