Uma falha de segurança relacionada com um ataque russo durante uma reunião de “alto nível” em Vinnytsia terá levado o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a demitir o chefe dos serviços secretos (SBU), afirmou à Lusa o general Agostinho Costa, um dos militares portugueses mais polémicos nos comentários televisivos à guerra na Ucrânia.
“Estas demissões e afastamentos no SBU são o epílogo do que parece ser o resultado de uma falha de segurança relacionada com um ataque que destruiu uma messe – ou clube de oficiais – em Vinnytsia [centro da Ucrânia] na passada quinta-feira”, indicou o general Agostinho Costa, vice-presidente do Centro de Estudos Eurodefense-Portugal, e após recorrer a fontes que considerou “relativamente credíveis e em termos de argumentação muito plausíveis”.
No ataque foram referidos alvos civis, mas nas imagens difundidas é possível identificar “um edifício grande, em forma de U, que ficou particularmente destruído”, afirmou o general.
Na ocasião, os responsáveis ucranianos apenas se referiram à morte de civis, mas o general, baseado nas informações recolhidas, refere-se a uma “reunião de alto nível” onde deveriam ser tomadas decisões importantes, na presença de delegações internacionais.
“Dois mísseis Kalibr russos estavam apontados para um alvo em Zhytomyr (noroeste), mas terá havido uma fuga de informação e foram desviados para atingir esta reunião, liquidando todos os participantes. Este ataque em Vinnytsia terá eliminado não apenas os participantes ucranianos, altos quadros da Força Aérea, como também as delegações estrangeiras”, sublinhou, reproduzindo parte da argumentação russa após o ataque.
Mesmo assim, o general português admite que o ataque também provocou “efeitos colaterais”, com a morte de civis e que mereceu um maior destaque na cobertura mediática. “Houve efeitos colaterais, é assente que dois mísseis atingiram o clube de oficiais, mas um outro míssil terá sido intercetado pela antiaérea ucraniana e provocando danos num prédio, com baixas civis”.
As fugas de informação, argumenta ainda assim, também permitiram que fossem divulgadas imagens de oficiais superiores do comando da Força Aérea na lista dos mortos. “Eram imagens de coronéis, oficiais da Força Aérea que estavam no local, mas não há indicações sobre quais as delegações estrangeiras presentes”, sugeriu.
“Zelensky terá ficado muito irritado, e compreende-se. Houve uma circunstância muito semelhante durante um ataque à base de Yavoriv [em 13 de março] perto de Lviv, que estava repleta de estrangeiros. Os ucranianos falaram em 30 mortos, e os russos cerca de 200″, assinalou.“Na sequência deste ataque, o então chefe local do SBU também foi afastado”, avançou.
No domingo, Zelensky anunciou a demissão de Ivan Bakanov, um seu amigo de infância e chefe dos serviços de segurança ucranianos (SBU, herdeira do KGB após a independência em 1991), e ainda da procuradora-geral, Iryna Venediktova, devido a alegadas ligações com a Procuradoria com Moscovo. O Presidente ucraniano revelou ainda que mais de 60 oficiais do SBU estão a trabalhar “contra a Ucrânia” nos territórios controlados pelos separatistas russófonos e pelas tropas russas, e anunciou “651 processos por traição e colaboracionismo”.
Na perspetiva do general Agostinho Costa, o ataque da passada quinta-feira em Vinnytsia foi determinante para esta nova “purga” nas mais altas esferas da liderança de Kiev.
Na reunião de Vinnytsia, cidade situada a oeste da capital Kiev, próxima das fronteiras com a Moldávia e Roménia, estaria alegadamente em análise “um acordo de fornecimento de aeronaves de combate à Ucrânia”, disse o general.
A insatisfação de Zelensky com o desempenho dos quadros que compõem o seu círculo mais restrito parece acentuar-se, e quando diversos analistas indicam que estas decisões se destinam a reforçar o seu poder interno. “Zelensky não está satisfeito com o desempenho dos quadros do seu círculo próximo. Ainda há pouco tempo demitiu o governador político de Kherson, por não ter havido nenhuma contraofensiva relevante na região”, assinalou o analista militar, apontando também o caso do governador de Kharkiv, demitido há cerca de dois meses.
O vice-presidente do Eurodefense-Portugal recordou ainda o sucedido na primeira ronda de negociações de paz entre as delegações russa e ucraniana, em 28 de fevereiro na Bielorrússia, quando Denis Kireev, um ex-banqueiro que integrava a equipa enviada por Kiev, “foi alegadamente eliminado sob a acusação de ser pró-russo”.
“Sempre que têm existido situações de quebra de segurança, em que há mortos ocidentais, Zelensky reage desta forma, pune demitindo os quadros. Ainda há pouco tempo, em 31 de maio, também com a anuência de Zelensky, foi demitida Lyudmyla Denisova, provedora para os direitos humanos e quando faltava um ano para cumprir o mandato”. Uma decisão do Parlamento, mas com o aval do palácio Mariinsky, a residência oficial do chefe de Estado.
“Foi Lyudmyla Denisova quem divulgou as notícias – que acabou por reconhecer serem falsas – sobre violações de bebés por soldados russos. Passou essas informações no Parlamento italiano com a intenção de chocar a opinião pública… e foi demitida sem apelo nem agravo sob a acusação de uma fraca organização dos corredores humanitários”.
Agostinho Costa também não exclui a prevalência de tensões políticas no círculo governamental em Kiev, em particular entre Zelensky e os altos comandos militares. “A relação de Zelensky com o chefe de estado-maior general das Forças Armadas, Valerii Zaluzhnyi, não é muito brilhante”, assegurou.
“Zaluzhnyi é mais pragmático, raciocina em termos militares, e [parece contestar] a insistência [do Presidente] em manter até hoje [20 de julho] a localidade de Siverskyi [leste] cercada praticamente por três lados, porque decorre na base de Ramstein [Alemanha] a reunião de ‘doadores’, as reuniões mensais em que as potências ocidentais se reúnem para definir que material enviam para a Ucrânia”.