Na histórica região da Transilvânia, atualmente parte da Roménia, existiu durante séculos uma prática singular para tentar salvar casamentos em crise. Na vila de Biertan, reconhecida como Património Mundial da UNESCO, os casais com problemas conjugais eram encerrados numa pequena sala durante semanas, conhecida como ‘prisão matrimonial’, com o objetivo de resolverem os seus conflitos antes de recorrer ao divórcio. Embora esta abordagem possa parecer extrema, os registos indicam uma eficácia surpreendente. Saiba mais sobre esta prática incomum neste artigo.
Segundo Ulf Ziegler, atual padre da localidade, “Graças a essa construção abençoada, nos 300 anos em que Biertan foi a sede da diocese só tivemos um divórcio.”. Biertan preserva ainda hoje o seu charme medieval, com ruas tranquilas e um quotidiano simples onde as carroças continuam a fazer parte da rotina e os habitantes trocam mercadorias na praça central. No cimo de uma colina, domina a paisagem uma impressionante igreja fortificada do século XV, rodeada por torres robustas.
No interior destas muralhas, encontra-se a chamada “prisão matrimonial”, um espaço modesto que, durante três séculos, serviu como último recurso para casais em crise, conta-nos a BBC. O pequeno quarto, atualmente convertido em museu, tem paredes espessas e teto baixo, contendo apenas o essencial: uma mesa, uma cadeira, um baú e uma cama saxónica tão estreita que mal parece adequada para um adulto. A convivência forçada neste espaço era pensada para obrigar o casal a refletir sobre as suas diferenças e encontrar um entendimento.
A sociedade saxónica da Transilvânia, de fé luterana, regia-se por princípios rígidos e o divórcio era permitido apenas em circunstâncias específicas, como o adultério. No entanto, a separação era desencorajada, pois acreditava-se que o casamento era a base da estabilidade social e uma proteção para mulheres e crianças. Caso o divórcio se concretizasse, o marido era obrigado a dividir os seus bens com a ex-mulher. Contudo, numa segunda união desfeita, a nova esposa já não teria os mesmos direitos, o que reforçava a pressão para manter o matrimónio.
As origens de Biertan remontam ao século XII, quando colonos saxões foram convidados pelo rei Géza II da Hungria a estabelecer-se na Transilvânia. Provenientes de regiões como França, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha, vieram não só para desenvolver a economia local, mas também para proteger o território de invasores tártaros e otomanos. No auge, em 1510, Biertan era um próspero centro comercial, com uma população de cerca de 5 mil habitantes. A igreja fortificada, com as suas nove torres, desempenhava um papel central tanto como local de culto como refúgio em tempos de ameaça.
Hoje, a vila conserva o seu ritmo sereno, com agricultores a transportar feno em carroças e pastores a cuidar dos seus rebanhos nas colinas verdejantes. A paisagem parece pouco alterada ao longo dos séculos. A igreja, iluminada ao anoitecer, continua a destacar-se na paisagem, relembrando o seu papel protetor de outros tempos.
Os métodos rigorosos do passado, como esta ‘prisão matrimonial’, podem já não se aplicar, mas o padre Ziegler acredita que o conceito de reconciliação forçada ainda tem valor no mundo moderno. “A razão para continuar junto provavelmente não era amor, mas sim a necessidade de trabalhar e sobreviver. Nas famílias modernas, há cada vez menos tempo para cada um de nós, estamos mais egoístas que os nossos antepassados. Sofremos de solidão, e é por isso que hoje precisamos conversar mais, para que possamos descobrir o que é importante para nós e o que nos conecta.”
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