Donald Trump ganhou as eleições presidenciais nos EUA, a política americana ficará, em princípio, descontinuada face às políticas da anterior administração democrata. Vejamos os tópicos principais dessa descontinuação e os impactos eventuais sobre a constelação europeia protagonizada pela União Europeia.
1. O protecionismo comercial, as medidas de retaliação e a desglobalização
Em primeiro lugar, o protecionismo comercial e as taxas aduaneiras já prometidas serão certamente seguidas de algumas medidas de retaliação e, portanto, de uma redução geral do comércio global e da atividade económica respetiva. Assistiremos, tudo leva a crer, a uma desglobalização da economia internacional.
2. O isolacionismo e o bilateralismo
Em segundo lugar, o isolacionismo de um país com a dimensão dos EUA é sempre relativo e a preferência atribuída à negociação e diplomacia bilaterais depende da política económica prosseguida em cada momento. Seja como for, o multilateralismo e o primado das instituições internacionais parece ter terminado com o fim da paz americana.
3. Os termos da guerra Ucrânia-Rússia
Em terceiro lugar, assistiremos a uma mudança dos termos da guerra entre a Ucrânia e a Rússia devido à já anunciada revisão da ajuda americana à Ucrânia. A precipitação de uma medida com este alcance pode desencadear uma crise interna da União Europeia de proporções inimagináveis com impacto certo e seguro nos próximos atos eleitorais.
4. Os termos da guerra no Médio Oriente
Em quarto lugar, a mudança dos termos da guerra no Médio Oriente será, tudo leva a crer, menos pronunciada do que a guerra na Ucrânia. Todavia, não sabemos ainda como se comportará o triângulo Israel, Irão, países árabes, os reajustamentos que desencadearão em reação à nova política americana para essa zona do globo.
5. Imigração, controlo de fronteiras e deportações
Em quinto lugar, assistiremos a um endurecimento, já anunciado, da política de migração e controlo de fronteiras com algumas deportações no horizonte. Terminada a campanha eleitoral, haverá certamente alguns ajustamentos nesta orientação política. A política europeia nesta matéria seguirá uma orientação semelhante com impacto no funcionamento do espaço Schengen.
6. Alterações climáticas e políticas de ambiente
Em sexto lugar, é muito provável que assistamos a uma descida das políticas de ambiente e sustentabilidade no elenco de prioridades da política americana, se quisermos, a uma redução dos custos de contexto e de transação nestas áreas da política pública americana.
7. O dólar e o sistema de pagamentos internacionais
Em sétimo lugar, uma revisão dos termos da política monetária e financeira e, nessa linha, uma nova abordagem à gestão da dívida pública americana podem perturbar o valor e o papel do dólar no sistema de pagamentos internacionais. Acrescem, ainda, os efeitos de retroação das medidas de protecionismo comercial, as contra medidas de retaliação e o impacto global de todas elas sobre a inflação e o valor externo do dólar.
8. A defesa e a segurança europeias
Em oitavo lugar, o impacto da política americana de defesa e segurança na relação transatlântica e na política da NATO obrigará a União Europeia a rever em profundidade a sua política de segurança e defesa e os investimentos numa indústria europeia de defesa.
9. O crescimento do número de regimes autocráticos
Em nono lugar, assistimos a uma pulverização do espetro político-partidário em muitos países, ao colapso das velhas ideologias do século XX, à emergência do populismo alimentado pelas bolhas criadas nas redes sociais e, em consequência, a um número crescente de regimes autocráticos no espaço europeu. As próximas eleições na Alemanha e em França são uma incógnita.
10. A constelação europeia, declínio ou oportunidade?
Finalmente, sabemos que as grandes transições na União Europeia se devem, quase sempre, a fatores de origem externa. Em face dos impactos severos que a administração trumpista provoca na União Europeia afigura-se muito pertinente a questão de saber se este é o pretexto que faltava para uma revisão dos tratados em linha com a agenda de reformas propostas no Relatório Draghi ou se este é o golpe que faltava para o declínio irreversível do projeto europeu.
Nota Final
Os Relatórios Letta e Draghi são um bom ponto de partida para reagir à nova agenda americana. O Relatório Letta reporta sobre o mercado interno e um mecanismo de solidariedade que proteja os países da coesão face aos impactos do próximo alargamento ao leste europeu. O Relatório Draghi reporta seis grandes recomendações, a saber, aumentar a dívida conjunta e consolidar o mercado europeu de capitais (1), promover os bens públicos e comuns europeus (as redes de interligação) que são externalidades positivas fundamentais para o crescimento (2), traduzir a inovação em produção e comercialização de marcas europeias (3), desenhar uma estratégia industrial integrada para as cadeias de valor europeias (4), Reforçar as capacidades de defesa e segurança europeias (5), refundar o processo de decisão europeu eliminando os vetos nacionais (6). A terminar, importa estar muito atento ao curso dos processos político-eleitorais nos países europeus e em particular o que pode acontecer em França e na Alemanha. O tempo corre contra a União Europeia. Ainda a este propósito, o meu contributo fica expresso no livro “Europa 2030, o futuro do projeto político europeu” editado em 2024 pela Editora Sílabo.
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