O turismo, enquanto motor económico e cultural, enfrenta pressões cada vez maiores nos destinos turísticos, impulsionadas pelo crescimento da procura, pelos desafios ambientais e pelas exigências de um setor em constante transformação. Nas Ilhas Canárias, por exemplo, os residentes não se consideram “anti-visitantes”, mas denunciam os impactos negativos do turismo massificado, nomeadamente o mau comportamento de alguns turistas, sem que os benefícios económicos sejam devidamente repartidos pela população local.
Quase 100 milhões de turistas estrangeiros visitaram Espanha em 2024, com 30,5 milhões a dirigirem-se às Ilhas Canárias e Baleares.
Com novos protestos contra o turismo excessivo planeados, a Euronews Travel conversou com residentes preocupados com o futuro do arquipélago. Estes sublinham que não rejeitam os turistas, mas desejam mudanças na forma como estes planeiam as suas férias e se comportam durante a estadia.
As Ilhas Canárias são agora um destino turístico durante todo o ano
Guillermo, guia local em Gran Canária, afirma que este inverno foi o mais movimentado de sempre, algo confirmado pelos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), que mostram um aumento de 1,1% em dezembro de 2024 face ao mesmo período do ano anterior.
Gran Canária era tradicionalmente um destino de inverno, explica Guillermo, recordando que os britânicos visitavam a ilha há dois séculos pelo clima ameno, águas medicinais e spas. Contudo, nas décadas de 1950 e 1960, o turismo deslocou-se para o sul da ilha em busca do sol. “Acho que está a mudar novamente, com visitantes a chegar no verão para explorar paisagens, cultura, história, caminhadas, mergulho e observação de baleias”, disse à Euronews.
Diferente de colegas que trabalham para grandes empresas de turismo, Guillermo considera-se “privilegiado” por gerir a sua própria empresa, focada em passeios privados e grupos pequenos. Tradicionalmente, dedicava os verões à conservação local, mas agora tem reservas ao longo de todo o ano.
Os britânicos lideram as visitas a Espanha
Em 2024, a maioria dos turistas veio do Reino Unido, França e Alemanha, com os britânicos a gastar 22,6 mil milhões de euros, um aumento de 13,5% face a 2023, refere a Euronews Travel.
A Catalunha recebeu 19,9 milhões de turistas, seguida das Ilhas Baleares (15,3 milhões) e das Ilhas Canárias (15,2 milhões). Com apenas 2,2 milhões de residentes, as Canárias tiveram 6,9 vezes mais visitantes do que habitantes.
Em Ibiza, manifestantes denunciaram que são forçados a viver em carros devido ao custo elevado da habitação, consequência do alojamento turístico. Situação semelhante é relatada nas Canárias.
Os números indicam que o fluxo turístico continuará a crescer em 2025.
Até trabalhadores do setor aderem aos protestos
Apesar de viver do turismo, Guillermo participou nos protestos “anti-turistas” em Gran Canária e explicou à Euronews Travel que a cobertura mediática internacional distorce o que está em causa. “Queremos recuperar o equilíbrio e resolver os problemas criados pela pressão do turismo”, afirmou.
Guillermo denuncia que a maior parte dos lucros do turismo não beneficia os locais. “A maioria dos rendimentos vai para fora, para empresas estrangeiras. Queremos uma distribuição mais justa.”
Airbnb não trouxe os benefícios esperados
“Desde o crescimento do Airbnb, os residentes já não conseguem viver onde antes moravam. Quando até pessoas com emprego a tempo inteiro não conseguem pagar a renda, há um problema.”
Inicialmente, os habitantes viam a plataforma como uma oportunidade para partilhar os lucros do turismo. “Se tivesses uma casa vazia, os familiares podiam ganhar algum dinheiro”, explicou. “Mas agora edifícios inteiros em Las Palmas são dedicados a alugueres de férias. Isso precisa de regulamentação. Empresas estrangeiras compram imóveis inteiros sem pagar impostos aqui – ou noutro lugar. Isso é um grande problema.”
Em abril de 2025, os residentes poderão votar sobre restrições a novos alojamentos turísticos. O governo regional também propôs novas regras, incluindo multas de 30.000 euros para alojamentos ilegais.
Nestor Marrero Rodríguez, secretário da ATAN e organizador dos protestos em Tenerife, aconselha os turistas: “Evitem usar Airbnb, pois faz subir as rendas e causa gentrificação.” Em alternativa, sugere escolher alojamentos geridos por locais.
Em abril de 2025, estão previstos protestos de grande escala, incluindo uma marcha em Santa Cruz de Tenerife a 16 de fevereiro.
Turistas devem respeitar o arquipélago
Os residentes alertam para a fragilidade ecológica das ilhas. Nestor denuncia os “piores comportamentos” em Tenerife: agressões a funcionários de companhias aéreas, desrespeito por trilhos, recolha de pedras e conchas e uso ilegal de drones em áreas protegidas.
“Os turistas britânicos são os que se comportam pior”, afirma, citando consumo excessivo de álcool e violência. Guillermo é mais moderado: “A maioria dos britânicos nos meus passeios é respeitosa, mas há sempre quem atire lixo para o chão ou venha apenas para beber e apanhar sol.”
Guillermo sublinha que o turismo sustentável é essencial. “Quando milhares de pessoas saem dos trilhos diariamente, o impacto acumula-se.” Pede consciência aos visitantes: “Vivemos aqui 365 dias por ano. Isto não é um parque temático.”
O turismo pode ser sustentável
Guillermo aconselha: “Segue as regras. Não conduzas onde é proibido, não colhas flores ou pedras e não deixes rasto.”
Nestor critica os hotéis all-inclusive, que “deixam apenas uma pegada negativa de recursos na ilha”, pois são geridos por empresas estrangeiras que pouco contribuem para a economia local.
Ambos recomendam apoiar negócios locais: “Explora a ilha por conta própria, contrata guias, visita museus, vinhas e queijarias”, sugere Guillermo.
Nestor reforça: “Vai à praia em vez de usares a piscina, reserva experiências autênticas e evita grandes cadeias internacionais.”
Mesmo para quem escolhe férias all-inclusive, Guillermo propõe jantar num restaurante local para experimentar a gastronomia autêntica.
Mais recursos são necessários para gerir o turismo
Guillermo defende que os lucros do turismo devem financiar melhor infraestrutura e proteção ambiental. “Em Lanzarote, há apenas dois ou três guardas florestais – é insuficiente! No Roque Nublo e Los Azulejos, as rochas mais icónicas de Gran Canária, há demasiados carros estacionados na estrada, impedindo a passagem de ambulâncias e bombeiros.”
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