No próximo dia 8 de fevereiro, Albufeira vai ser invadida por um grupo de maioritariamente não-nativos á região do Algarve. O protesto, sob o mote “Menos imigrantes, Menos crime”, apela a uma mobilização da extrema-direita, neonazis, fascistas, e outros para a cidade em questão. Ironicamente, a convocação é feita pelo Grupo 1143, alegadamente dirigido por um dos mais mediáticos criminosos do nosso país, Mário Machado.
Ou seja, se a premissa desta ‘manifestação’ centra-se na alegada criminalidade associada a pessoas deslocadas das suas localidades originais… nem que seja pela importação de Machado para o Algarve, este protesto contradiz o seu propósito.
Se realmente existe assim tanto crime associado a pessoas exteriores á região, propõe-se então combater o problema com a entrada de mais criminosos?
Ilegalidades e Inconstitucionalismos
Segundo o 46º artigo da Constituição Portuguesa, é ilegal constituir associações que promovam a violência, sejam racistas ou de caráter fascista. Um artigo reforçado pela corrente Lei n.º 64/78 de 6 de outubro que, entre outras coisas, ilegaliza:
-“(…) organizações que perfilhem a ideologia fascista.”
– “(…)o belicismo, a violência como forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a exaltação das personalidades mais representativas daqueles regimes.”
Ora, pode-se argumentar que o Grupo 1143 se encaixa nesses moldes, tanto a nível moral como prático. Consequentemente, e por motivos meramente intelectuais e especulativos, pode ser considerado que todo o Grupo é ilegal; Para exemplos ilustrativos, basta consultar a conta X (Twitter) do Grupo, que foi também banido do Youtube por incitação ao ódio e violência, ou até mesmo observar quaisquer ações e palavras dos seus membros.
Considerando que ilegalidade e criminalidade são sinónimos na prática, sobram duas hipóteses racionais acerca dos motivadores deste ‘protesto’:
1 – O Grupo 1143 segue uma lógica de ‘lutar fogo, com fogo’ — importando ainda mais alegados criminosos e manifestações de criminalidade, para uma cidade que os mesmos argumentam já estar repleta de crimes e criminosos.
2 – Ou, os organizadores precisam de uma desculpa para passear no Algarve; mas em época baixa, que é mais barato.
De qualquer das formas, tamanha incoerência prova tanto a falta de sofisticação intelectual inerente no seio desta convocação, como as graves lacunas educacionais e de comunicação permitidas no nosso país.
Liberdade de Expressão ≠ Direito a uma Plataforma
O cartaz suprarreferido, á entrada da cidade de Faro, é também ponto de reflecção.
Existe uma linha muito ténue (mas bem definida, para qualquer bom entendedor) entre a Liberdade de Expressão, e o Direito a ter uma Plataforma — como já escrevi noutro artigo. O que nos pede para considerar a responsabilidade de quem aprovou, e lucrou, com a colocação do cartaz; pois, se uma organização alegadamente fascista é ilegal, as suas comunicações e ações são também um ato criminal.
Adicionalmente, a linguagem desonesta utilizada tenta gerar uma ligação direta entre criminalidade e imigração, o que (como veremos) não existe em forma de dados concretos. Para falarmos de Liberdade de Expressão (ou qualquer outra), só o podemos fazer com base naquilo que nos foi incutido desde pequeninos: a nossa liberdade acaba quando começa a do outro.
Visto que o cartaz compromete claramente o direito de cada individuo a ser julgado pelas suas ações individuais — um dos principais fatores determinantes da nossa condição humana –, esta comunicação trabalha no sentido de desumanizar todo um conjunto de seres humanos. Ao substituirmos o individuo com um coletivo (os imigrantes), e associando-os sem fundamento a um comportamento comunal (criminalidade), o Grupo 1143 está, além de qualquer dúvida possível, a ir bem além da liberdade pessoal de cada um dos seus membros.
Adicionalmente, a manufatura de um sentido de urgência constrói em cima dessa desumanização uma ansiedade artificial acerca das insuficiências das autoridades competentes na execução das suas funções. Uma narrativa que argumenta que as organizações que nos deveriam defender contribuem ativamente para o mal-estar da maioria da população; Justificando assim um estado de emergência que pede a intervenção de vigilantes e justiça popular. O que em si é automaticamente um chamamento à ostracização, ódio e violência. Noutras palavras, o cartaz promovido por uma organização alegadamente fascista incita a desumanização e consequente violência contra um conjunto de seres humanos.
Quem argumentar que esta é uma questão de liberdade de expressão, tem de rapidamente procurar ajuda… num estabelecimento de ensino, ou num hospital psiquiátrico.
Manipular é Mais Fácil que Ler
No que toca ao estudo citado pelo o Grupo 1143 como motivador para esta mobilização, após uma interpretação mais aprofundada dos números, podemos concluir que não existe qualquer indicador inquestionável que ligue a criminalidade de Albufeira com pessoas imigrantes.
Ora vejamos, quase 60% dos crimes citados nesse estudo são contra a integridade do património (quase 43%), contra a integridade física, e a condução sob a influência de álcool.
Albufeira é (também) conhecida pelo seu turismo e economia de entretenimento noturno. A famosa Rua da Oura sendo um bom exemplo descritivo de muitas noites bem passadas, assim como o palco de muitos dos excessos associados ao setor noturno: desde o vandalismo, às brigas, e à infeliz conduta de condutores alcoolizados.
Com isto em mente, é apenas uma questão de bom-senso perceber que, numa cidade tão propícia a este tipo de economia, que a mesma se encontre refletida tanto na atratividade turística, como nos lucros e culturas locais, assim como na criminalidade.
E apesar desta interpretação ser meramente especulativa, é, ao menos, mais coerente que a fantasia que atribuí todos os males da sociedade a um grupo específico de seres humanos… só porque os mesmos possuem uma cor de pele, sotaque, religião e passaporte diferentes dos da maioria da população.
O que me leva a concluir uma de duas coisas:
1- O movimento de extrema-direita/neonazi/supremacista/fascista (entre outros) Português não possui a sofisticação intelectual necessária para saber ler (um estudo, ou o que quer que seja).
2- Ou, esses mesmos sujeitos são vendedores de banha da cobra que constroem toda a sua razão de ser em torno da manipulação daqueles que escolhem marchar a seu lado.
Racismo e Xenofobia Gourmet
É interessante ler também que Loulé, a poucos quilómetros de Albufeira, se encontra entre as cidades com a maior criminalidade do país — Mas ali não se convocam manifestações semelhantes. É ainda mais interessante considerar que no concelho de Loulé existe também uma grande concentração de imigrantes, nomeadamente em Vale do Lobo e Quinta do Lago. A diferença primária para com o caso de Albufeira é que uma grande maioria desses/dessas residentes Louletanos são de estratosferas económicas muito elevadas, predominantemente brancos/as, e oriundos/as de países como o Reino Unido ou a Alemanha.
Esta última observação revela que além do oportunismo, e do inegável racismo e xenofobia por parte dos organizadores da ‘manifestação’, existe uma cobardia inerente em organizações como o Grupo 1143. Isto, porque só se atrevem a aterrorizar comunidades de minorias se forem pobres, desprovidas e desprotegidas. Quando foi a última vez que vimos protestos em frente a vivendas milionárias de imigrantes brancos?
E que fique bem claro que não estou a sugerir um reajuste das miras destes movimentos desprezíveis, mas sim a realçar a hipocrisia inerente nos mesmos.
Quem teme os ricos e crucifica os pobres, não é digno da cruz que tanto exalta como representativa de Portugal. Até eu, que estou longe de ser religioso, sou mais cristão num dia mau, que esses ‘nacionalistas’ em dia de missa.
8 de fevereiro, 15:00, Praça dos Pescadores, Albufeira
De qualquer das formas, recuso-me a ser consumido pelo ódio que os mesmos vendem, emprestando assim a minha voz, cara e intelecto a quem não está em posição de utilizar os seus.
No dia 8 de fevereiro, pelas 15:00, convido todos a congregar na Praça dos Pescadores em Albufeira, para aquilo que será uma celebração da diversidade que tanto caracteriza e engrandece o nosso país. Diversidade essa que será sempre o melhor antidoto para mentes e pessoas pequenas, que tentam ser grandes pela via da violência e ignorância características dos movimentos de extrema-direita mundialmente.
Referências
Costa, F. (2025), “Albufeira é o concelho com maior taxa de criminalidade em Portugal, como afirmou Pedro Pinto?” https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/albufeira-e-o-concelho-com-maior-taxa-de-criminalidade-em-portugal-como-afirmou-pedro-pinto/
Curado, M. (2025), “Extrema direita instala cartaz anti-imigração ao lado de propaganda do Bloco de Esquerda em Faro: ‘Outdoor’ apela à participação numa manifestação, a realizar a 8 de fevereiro em Albufeira.” https://www.cmjornal.pt/politica/detalhe/extrema-direita-instala-cartaz-anti-imigracao-ao-lado-de-propaganda-do-bloco-de-esquerda-em-albufeira
Gonçalves, J. (2024), “Conta de YouTube do Grupo 1143 suspensa por incitamento ao ódio e à violência” https://www.publico.pt/2024/08/13/sociedade/noticia/conta-youtube-grupo-1143-suspensa-incitamento-odio-violencia-2100684
Villas-Boas, V. (2019), “Freedom Of Speech Or The Right To a Spotlight?: The Case of Marine Le Pen and the Web Summit” https://medium.com/@viriatovb/the-concept-of-free-speech-or-freedom-of-expression-has-become-a-hotbed-of-contention-in-f43f7fa216ca
Wikipedia (2024), “Grupo 1143” https://pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_1143
X, “Grupo 1143” https://x.com/grupo1143?
Sobre Viriato Villas Boas
Tem 34 anos, BA Journalism & Media, Birkbeck – University of London, Msc Comparative Politics, LSE – London School of Economics & Political Science. É presidente & fundador da WallRide Associação, escritor e consultor e interessa-se por Direitos Humanos, Skate, Ler & Escrever, Política.
Artigo publicado no Medium.
Leia também: Frente Anti-Discriminação Algarve promove manifestação em Albufeira pela diversidade
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