Ações humanas estão a destruir as zonas de ervas marinhas em todo o mundo, mas pouco está a ser feito para as proteger, porque “é difícil proteger aquilo que não se conhece”, dizem especialistas ouvidas pela Lusa.
Ester Serrão, professora na Universidade do Algarve, alerta que ações humanas, como cortar vegetação natural e substituí-la por agricultura e construções, tornam a água mais turva, devido ao aumento de partículas e de nutrientes arrastados dos meios terrestres, que provocam a deposição de sedimentos sobre as pradarias marinhas e a redução da luz solar de que as ervas marinhas necessitam para a fotossíntese, tal como as plantas terrestres.
Ao contrário das algas, as ervas marinhas têm raízes, caule e folhas e têm a capacidade de produzir flores, frutos e sementes como as plantas terrestres, constituem pradarias marinhas, vivem em água salgada mas em águas pouco profundas. Em Portugal encontram-se nomeadamente nos estuários dos rios, em rias e em lagoas.
“As pessoas não percebem que ao limpar terrenos com coberto vegetal, deixando o solo livre para a erosão pelas chuvas, estão a destruir vegetação marinha, que serve de ‘berçário’ para muitas espécies de peixes, afetando a vida dos pescadores”, disse à Lusa a investigadora especialista em ervas marinhas.
O alerta de Ester Serrão surge a propósito do Dia Mundial das Ervas Marinhas, criado por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2022 para consciencializar para a necessidade de conservar aquele tipo de vegetação e que se assinala na sexta-feira.
Pradarias marinhas servem de abrigo para peixes e são local de reprodução
A bióloga marinha Valentina Muñoz, mestre em Conservação dos Recursos Naturais e que faz parte da Sciaena, associação que visa promover um ambiente marinho saudável, salientou em declarações à Lusa que as pradarias marinhas servem de abrigo para peixes e são local de reprodução, além de terem um papel importante no sequestro de carbono.
Ester Serrão acrescenta ainda que promovem a limpeza do ambiente onde habitam, ao retirarem nutrientes da água e promoverem o assentamento de partículas, reduzindo também o efeito do hidrodinamismo ao reduzirem a corrente, evitando a erosão costeira.
Gonçalo Silva, biólogo, investigador no centro de investigação MARE-Ispa e professor no Ispa-Instituto Universitário, dá outro exemplo da importância das pradarias marinhas lembrando que os cavalos-marinhos, espécies-bandeira para a conservação, usam as ervas marinhas como habitat porque lhes fornecem substrato para se agarrarem, esconderijo e alimento.
“As pradarias de ervas marinhas ocorrem em locais com baixo hidrodinamismo, e os cavalos-marinhos não sendo grandes nadadores, utilizam este habitat para se esconderem de predadores”, disse Gonçalo Silva à lusa, acrescentando que as ervas albergam uma elevada quantidade de pequenos organismos como copépodes e outros crustáceos de que os cavalos-marinhos se alimentam, sendo também “um habitat favorável à sua reprodução”.
Segundo a ONU as ervas marinhas estão a desaparecer desde a década de 1930, perdendo-se a cada ano cerca de 7% desse habitat em todo o mundo. Com apenas 25% de todas as pradarias enquadrados em áreas protegidas, dizem também as Nações Unidas, citando a União Internacional para a Conservação da Natureza, que 21% das cerca de 60 espécies de ervas marinhas estão nas categorias de quase ameaçadas, vulneráveis ou ameaçadas de extinção.
Valentina Muñoz não estranha os números da ONU, diz que o grande número de embarcações e as âncoras são um problema, como o são a poluição, as alterações climáticas, a acidificação dos oceanos, as construções. “São sistemas muito sensíveis, qualquer alteração pode gerar desequilíbrio”. E como Ester Serrão aponta especialmente o dedo à pesca de arrasto costeira, uma das maiores ameaças para as pradarias marinhas.
“Áreas marinhas protegidas não defendem as pradarias da destruição que vem das atividades terrestres”
Para Ester Serrão o aumento das áreas protegidas não resolve o problema porque “muitas das ações que destroem as pradarias vêm principalmente da gestão dos habitats terrestres. Áreas marinhas protegidas não defendem as pradarias da destruição que vem das atividades terrestres”.
A professora defende antes que as poucas pradarias que sobrevivem sejam cartografadas e avaliadas, para se conhecerem as pressões que as destroem e atuar nas causas específicas.
Atualmente é consensual que a saúde dos oceanos está a diminuir, devido às ações humanas e às alterações climáticas e Valentina Muñoz insiste que é preciso mais e na importância da educação e sensibilização da população em geral para o papel das pradarias.
Criar áreas protegidas pode ser bom, assim não fiquem apenas no papel e haja ações de restauro e fiscalização, mas as ervas marinhas têm de ser conhecidas, porque “é difícil proteger uma coisa que não se conhece”.
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