Os primeiros alertas para o risco da escassez de CO2 destinado a uso industrial, designadamente no sector alimentar, ser cada vez mais uma ameaça a pesar sobre o fluxo das cadeias de abastecimento e até sobre a tradicional ceia de natal surgiram já em setembro, no Reino Unido. Em Portugal, a questão só agora começa a ser levantada, mas “o problema é sério e podemos começar a ter redução nos abates de animais já esta semana, com o consequente impacto nas prateleiras dos supermercados”, afirma ao Expresso Graça Mariano, diretora executiva da Apicarnes – Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes.
Na verdade, “este é mais um problema em cima de uma imensidão de problemas que já enfrentamos, desde a falta de mão de obra especializada à disrupção no abastecimento de materiais como embalagens, paletes e películas”, refere a dirigente da Apicarnes que já enviou uma mensagem de alerta ao Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, onde resume as dificuldades das empresas associadas que representam vendas de 1.200 milhões de euros e mais de 6.400 trabalhadores.
Nessa mensagem, a que o Expresso teve acesso, a Apicarnes deixa claro que o dióxido de carbono é uma das preocupações do momento: é necessário “para as embalagens em atmosfera protegida dos variadíssimos alimentos que produzimos” e “é igualmente imprescindível para a ocisão dos animais nos matadouros”, o que significa que sem CO2 (para atordoar os animais) não poderá haver abates em muitos matadouros, “uma vez que não será assegurado o bem-estar animal, requisito legal indispensável”.
“ESTAMOS A UM OU DOIS DIAS DO LIMITE”
“É urgente delinear uma estratégia que permite a continuidade da atividade destas empresas evitando assim a falta de abastecimento dos alimentos”, sublinha a Apicarnes, admitindo que a escassez de CO2 pode começar a ter impacto no normal funcionamento do sector (abates e embalamento) “já nos próximos dias”.
“Portugal enfrenta um problema acrescido por estar totalmente dependente da importação de CO2, designadamente de Espanha”
Graça Mariano, diretora executiva da Apicarnes
“Se não forem garantidas formas de reabastecimento, estamos a um dia ou dois do limite”, admite, consciente de que o problema não é apenas português e neste caso, como noutros sectores, “Portugal enfrenta um problema acrescido por estar totalmente dependente da importação de CO2, designadamente de Espanha”.
Foto D.R. Marcos Brindicci/Reuters
“Há um outro lado do dióxido de carbono que tem passado desapercebido às pessoas, mas que é essencial à indústria alimentar, por exemplo”.
Amândio Santos, presidente da Portugal Foods
E como chegamos a este ponto que parece contradizer os apelos à redução da pegada de carbono? “Há um outro lado do dióxido de carbono que tem passado desapercebido às pessoas, mas que é essencial à indústria alimentar, por exemplo. O CO2 usado na indústria alimentar resulta, na prática, da purificação de correntes gasosas de atividades como a produção de fertilizantes, biocombustíveis ou cervejas, o que torna Portugal um importador de dióxido de carbono de Espanha”, explica ao Expresso Amândio Santos, presidente da Portugal Foods, associação que promove a inovação e internacionalização das empresas do sector agroalimentar português.
“Há um lado útil e importante do CO2, muito importante, por exemplo, para equilibrar o PH da água que sai na torneira de nossas casas, a par do embalamento e conservação de frescos ou refeições prontas em atmosfera protegida, com adição de CO2 e azoto, de forma a controlar os níveis de oxigénio das embalagens, e, também, no funcionamento dos matadouros tecnologicamente mais avançados, onde o dióxido de carbono é usado para adormecer ou insensibilizar o animal antes do abate”, explica.
PREÇO DISPAROU
“Os refrigerantes gaseificados também usam CO2, assim como a indústria de cerveja”, acrescenta. “E outras sectores, designadamente a metalomecânica, precisa deste gás na metodologia do corte por laser”, adianta.
Na Portugal Foods, o tema é prioritário e é uma das questões que está a ser seguida atentamente pelo “grupo de crise” que acompanha os problemas atuais do sector alimentar, do aumento de preços e falta de matérias-primas, à escassez de paletes ou filme para as embalagens.
Neste caso, “uma das grandes preocupações é o facto de Portugal não produzir CO2 e estar a ser cada vez mais difícil de gerir stocks e abastecimento”, diz o dirigente associativo.
Relativamente às causas da escassez de CO2, considera que está “diretamente ligado à subida dos custos de energia e ao facto de algumas das fábricas que extraíam dióxido de carbono da sua atividade terem reduzido a produção ou até parado”.
“Os preços do CO2 atingiram o nível da loucura. Já subiram mais de 100%”
Aliás, “os preços do CO2 atingiram o nível da loucura. Já subiram mais de 100%”, destaca, admitindo que neste momento, em Portugal, “há empresas em situação iminente de rutura de atividade por falta de CO2” e o quadro está a agravar-se a cada dia que passa”.
CERVEJAS E REFRIGERANTES SEM NADA A REPORTAR
Contactado pelo Expresso, Francisco Gírio, secretário-geral da associação Cervejeiros de Portugal, confirma que o CO2 é essencial na produção de cerveja, mas na fase de fermentação a própria indústria liberta dióxido de carbono para autoconsumo no engarrafamento, pelo que até ao momento, este não é um problema do sector.
Na Probeb – Associação Portuguesa das Bebidas Refrescantes não Alcoólicas, o secretario geral Francisco Mendonça, disse ao Expresso não ter tido, até ao momento, “qualquer reporte dos associados sobre problemas de produção relativos à falta de CO2”.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL