A cada ano que passa e a cada cimeira que é feita, desde a primeira COP, em 1995, há cada vez mais urgência. “A COP26 é a última oportunidade que nós temos para fazer mesmo uma diferença e manter o compromisso dos 1,5ºC” de aquecimento relativamente ao período pré-industrial, o valor fixado no Acordo de Paris”, alerta Filipa Costa, 23 anos, ativista da Federation of Young Green European (FYEG), organização observadora nas negociações climáticas.
Para Carolina Falcato, porta-voz do Climáximo, um coletivo de defesa da justiça climática, a desconfiança é a palavra de ordem: “Muitos ativistas já não confiam que saia alguma coisa útil da COP”. Na sua opinião, as emissões continuam a aumentar porque “as próprias instituições políticas são desenhadas não para proteger as pessoas e o planeta mas o lucro das empresas”, condena a jovem de 21 anos.
É a 26.ª vez que se realiza a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, daí o nome. “Já é a 26.ª vez que vamos falar sobre este assunto 一 isso já diz tudo”, acrescenta Filipa Costa, que através da FYEG está na cimeira que arrancou oficialmente no domingo, em Glasgow, mas em que só esta segunda-feira os líderes mundiais vão de facto pôr a “mão na massa”. Sem surpresa, também está pouco confiante com o sucesso da cimeira: “Ainda não entrou na cabeça dos líderes mundiais e políticos que a nossa casa está a arder, acho que vai ser mais uma maneira de eles fazerem greenwashing” (propaganda ecológica enganosa).
Foto D.R. Carlos Barria
O sentimento também é partilhado por Diana Neves, porta-voz nacional da Greve Climática Estudantil: “Em 25 anos a COP falhou, este ano provavelmente vai falhar outra vez”. Diana diz que é preciso começar a agir hoje, não é amanhã nem daqui a duas semanas, porque “neste momento já era para ontem”.
É preciso uma atitude pró-ativa, já não é ativa, insiste a jovem ativista de 21 anos, que defende que o ambiente e o clima deveriam ser um direito fundamental e básico, que permitisse a todos os seres humanos viver com condições climáticas estáveis. Mas se nada for feito, “isso não vai acontecer nem na minha geração nem nas que estão para vir”, alerta.
A conferência decorre até ao dia 12 de novembro. O que Carolina Falcato espera é que tal, como noutras COPS, existam “falsas declarações de vitória dos governos, muito greenwashing e palavras vazias”, diz a porta-voz do Climáximo, um coletivo que se define como aberto, horizontal e anticapitalista.
Filipa, Diana e Carolina não são as únicas com poucas expetativas para a COP26. Alguns líderes que vão estar presentes já manifestaram alguma reticência com o sucesso da cimeira, desde o primeiro-ministro britânico Boris Johnson ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e ao ministro do Ambiente português, João Pedro Matos Fernandes: “Não estou ainda muito otimista”, disse na semana passada.
E parte deste pessimismo deve-se às ausências que já estão a ser sentidas. Líderes de grandes potências mundiais como a China, Brasil e Rússia, que têm um grande impacto na crise climática, não vão à cimeira. “Isso mostra uma falta de compromisso tanto para com as alterações climáticas, como para com a importância que este tipo de encontros tem no rumo da história da humanidade”, nota Diana Neves.
LADO POSITIVO: ATIVISTAS E MOBILIZAÇÃO DAS PESSOAS
Mas nem tudo será mau e, para Filipa Costa, há coisas mais importantes do que a ausência de alguns líderes mundiais. É o caso da participação de ativistas dos “MAPA”, acrónimo para “most affected people and areas” — em português, pode ser traduzido como áreas e pessoas mais afetadas, neste caso, pelas alterações climáticas. “Honestamente, não quero saber a opinião do Bolsonaro nem do Xi Jinping, eu quero ouvir a voz desses ativistas que já estão a lutar nisto há imenso tempo”.
O termo “MAPA” tem sido utilizado pelos movimentos de justiça climática em substituição da expressão “sul global”. Refere-se às pessoas e às regiões do planeta que mais sofrem com as consequências da crise climática, apesar de terem menos responsabilidade e menos preparação para tal. É o caso de África, América do Sul e Índia, por exemplo. O sul global opõe-se ao norte global (Europa, América do Norte, Rússia, Austrália).
O principal, defende Filipa, é deixar de ouvir os governos, os bancos, as empresas poluidoras, e começar a ouvir as pessoas. “Polluters out, people in” (poluidores fora, pessoas dentro), resume a ativista que também já foi porta-voz nacional e regional da Greve Climática Estudantil.
A mobilização da sociedade civil vai ser outro ponto positivo da 26.ª Conferência das Partes. Observadores, organizações não governamentais e grupos ativistas vão mobilizar-se durante os dias da cimeira para mostrar o seu descontentamento. Carolina Falcato está confiante de que a sociedade civil “vai voltar a levantar-se” e a falta de resposta vai “dar energia às pessoas para procurarem outras soluções”.
Foto D.R. Yves Herman
JUSTIÇA CLIMÁTICA E OUTROS DESEJOS
É longa a lista de compromissos que as jovens ativistas ouvidas pelo Expresso gostavam que fossem assumidos na COP26. Todas concordam que tem de haver “justiça climática e responsabilidade histórica”. Isso pode passar por criar um plano de financiamento para a mitigação das alterações climáticas nos países do sul global (ou “MAPA”, como se explica acima), que têm menos responsabilidade e, ao mesmo tempo, menos capacidade de mudança.
A isto chamam-se reparações climáticas. “É uma coisa de que ninguém fala e também importa, porque há países do sul global que já têm uma dívida climática tão alta, estão a sofrer de um consumo excedente que estamos a ter aqui no ocidente, e não são compensados devidamente”, alerta Filipa Costa.
Carolina Falcato também tem algumas ideias. “Bons resultados da COP seriam a eliminação do lobbying das empresas de combustíveis fósseis de todos os passos de negociação”. Gostava também que fosse criado um plano climático vinculativo com objetivos concretos e sanções, caso os países não o cumprissem.
É preciso criar leis fortes a favor do clima, concorda Diana Neves, que limitassem e regulassem as emissões de gases. E ainda acelerar a transição de combustíveis fósseis para energias renováveis: “é uma mudança difícil mas é aquela que precisa de ser feita”.
A ativista deixa uma mensagem final: os planos não podem ficar no papel, têm de ser postos em prática, e é preciso que os líderes mundiais percebam que “o que está em causa é mesmo a sobrevivência da humanidade”.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso