Somos um movimento de cidadãos residentes no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), uma das últimas costas selvagens da Europa com valores naturais sensíveis, alguns deles únicos no mundo. Pretendemos com esta comunicação, assinalar o Dia da Terra e alertar para a oportunidade única que estamos todos a viver, de conciliar os objetivos do crescimento económico com o bem estar das populações e a preservação de património ambiental.
Sentimos e vivemos no dia a dia, a destruição de muitos valores do PNSACV como inevitável consequência do avanço da agricultura intensiva, sob cobertura de plástico ou ao ar livre. Na parte integrante do Perímetro de Rega do Mira, entendemos que seja determinante o trabalho do regulador estado, no sentido de garantir a coexistência dos valores envolvidos, e que até agora não tem existido.
Recentemente a Resolução de Conselho de Ministros (RCM) 179/2019 de 24 de Outubro de 2019 estabeleceu um regime transitório de dez anos para este Perímetro de Rega, que supostamente traria soluções mas que na prática veio agravar uma situação insustentável: esta Resolução determina a possibilidade da área de agricultura intensiva coberta por plástico (cerca de 1600 hectares) vir a triplicar, quando sentimos diariamente que a actual ocupação já está a causar uma disrupção total nesta região. Do ponto de vista social, a resolução cede ao único entrave que existia ao avanço progressivo e descontrolado da agricultura intensiva, que era a falta de habitação para a mão de obra imigrante, ao permitir o alojamento de milhares de pessoas em contentores nas explorações agrícolas, em pleno Parque Natural, abrindo o grave precedente de transformar um parque natural num parque agroindustrial de contentores e de estufas.
Tudo isto acontece pela mão do mesmo legislador que através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-B/2011 implementou o regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV). Instrumento territorial fundamental para enquadrar o valor natural que aqui se encontra e que conduziu à sua colocação na lista nacional de sítios, em 1997, que levou a considerá-lo Zona de Proteção Especial em 1999 e em Sítio de Importância Comunitária em 2004. Aliás, instrumento territorial que ainda se encontra em vigor. Contudo, a tal RCM 179/2019 introduz, muito disfarçadamente uma alínea a) ao número 9, que de forma despudorada e ao mesmo tempo que anuncia dever haver compatibilização dos valores naturais no PNSACV e nos sítios e zonas da Rede Natura 2000 com a produção agrícola, aumenta a área de ocupação de estufas relativamente ao que se encontra (ainda) previsto no Regulamento do POPNSACV.
É importante clarificar que esta é uma agricultura constituída na sua maioria por empresas multinacionais que facturam centenas de milhões de euros por ano, com recurso à importação massiva de mão de obra. Face à escala das explorações e às características do território é fácil concluir que imensas pessoas vivem em condições sanitárias duvidosas, e que as empresas prosperam imputando a responsabilidade social para as autarquias, exportando para os mercados do norte da Europa, consumindo recursos naturais que são de todos nós, nomeadamente a água, que vem escasseando seriamente desde 2013, e arrasando valores naturais que na realidade devemos às futuras gerações.
Numa época dramática, com o planeta assolado por uma pandemia causada por um vírus que muitos especialistas associam à destruição persistente dos ecossistemas, é tempo de mudar de paradigma: Portugal não pode continuar a sacrificar um Parque Natural com compromissos ambientais a nível nacional e europeu. O Governo não pode cair na contradição de apelar ao consumo do que é português quando está a subsidiar empresas estrangeiras que destroem o nosso ecossistema.
Concretamente, queremos coragem política para colocar um travão imediato a novas explorações e/ou ampliações de projectos existentes, até que sejam resolvidas e penalizadas as irregularidades que o próprio Estado Português já identificou no relatório da IGAMAOT, homologado em Março de 2018 pelo Ministro do Ambiente.
Numa zona prioritária de conservação da natureza como é o PNSACV, uma estratégia de crescimento assente numa lógica de preservação ambiental pode representar por um lado um activo económico que não será de todo despiciendo, e por outro posicionará esta região como um “hub” europeu de desenvolvimento sustentável – uma junção de ecologia, turismo de natureza e projectos agrícolas sustentáveis que afirmará o País como realmente comprometido com os desígnios do Pacto Verde Europeu.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018 que aprova a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 preconiza que “Portugal é reconhecidamente um país rico em património natural, detentor de espécies de flora e de fauna associadas a uma grande variedade de ecossistemas, habitats e paisagens (…) A Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030 (ENCNB 2030) assenta no reconhecimento de que o património natural português concorre decisivamente para a afirmação do país internacionalmente e, deste modo, contribui para a concretização de um modelo de desenvolvimento assente na valorização do seu território e dos seus valores naturais”.
Pensamos que o bem-estar de um país não se mede apenas por indicadores financeiros e que o Mundo está hoje consciente de que precisamos de criar um futuro equilibrado, que não seja baseado exclusivamente num crescimento exponencial do consumo, nem na maximização selvagem de rápidos lucros financeiros para uns poucos, em detrimento do bem-estar de muitos outros e da destruição de um Parque Natural.