Nos anos 60 viviam-se os primórdios do Algarve como destino turístico e os desafios eram muitos. A viagem desde Lisboa demorava cerca de dez horas, e a infraestrutura turística era praticamente inexistente. Hotéis eram raros, e os restaurantes não passavam de modestas tascas de pescadores. A paisagem era marcada por praias desertas e estradas onde manadas e rebanhos circulavam livremente. “Apanhava-se peixe à mão dentro de água”, recorda-se, numa imagem que ilustra a rusticidade da região, escreve o Casal Mistério.
Nos anos 60, o Algarve permanecia um segredo bem guardado entre os portugueses. As poucas regiões com algum turismo eram Monte Gordo, Albufeira e a Praia da Rocha. Monte Gordo atraía os alentejanos que fugiam ao calor do interior durante o Verão. Albufeira começou a ganhar popularidade entre os ingleses após Cliff Richard adquirir uma casa na zona. A Praia da Rocha era o refúgio dos lisboetas com raízes no Algarve. A família de Miguel Sousa Tavares frequentava a Praia Dona Ana em Lagos desde 1961, uma das poucas excepções.
Chegar ao Algarve era uma verdadeira odisseia. A viagem de comboio podia durar entre sete a onze horas, variando conforme o destino. Sem a Ponte 25 de Abril, a jornada começava na margem sul do Tejo. As locomotivas frequentemente sobreaqueciam ao atravessar o Alentejo, obrigando a paragens regulares para “dar descanso à máquina”.
Viajar de carro também não era fácil. As autoestradas ainda não existiam, a ponte de Alcácer permitia a passagem de apenas um carro de cada vez, e as estradas sinuosas e de faixa única serpenteavam por três serras. Para agravar a situação, “só o pai de Miguel Sousa Tavares conseguiu atropelar três burros, um cavalo e seis cães, além de um soldado e um polícia sinaleiro em Setúbal”, revelando um cenário de trânsito caótico e perigos à espreita em cada curva.
Esses relatos transportam-nos para um Algarve muito diferente do destino turístico que hoje conhecemos, oferecendo uma perspectiva única sobre a evolução da região.
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