O aumento de tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) em Portugal tem sido impulsionado pelos centros privados, enquanto a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) permanece estagnada. No Algarve, a situação é especialmente preocupante: a ausência de centros públicos de PMA obriga os residentes a deslocarem-se até Lisboa, enfrentando custos elevados e longas esperas. Quem o afirma é Carlos Calhaz Jorge, novo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), em declarações à Lusa.
“O SNS e os centros públicos já há muitos anos que não conseguem ampliar a sua capacidade de resposta”, lamentou o especialista, destacando que o crescimento significativo dos tratamentos ocorre no setor privado. No Algarve e no Alentejo, a inexistência de um centro público agrava ainda mais o problema. “As pessoas destas regiões têm de recorrer aos centros públicos da área de Lisboa, com esforços e custos desproporcionais”, sublinhou Calhaz Jorge. “No plano dos princípios, é evidente que isso é uma lacuna profunda.”
Tempos de espera e barreiras no acesso
Os utentes do SNS enfrentam longos períodos de espera, que variam entre um ano e um ano e meio para tratamentos com as suas próprias células reprodutivas. Quando é necessária a doação de gâmetas (óvulos ou espermatozoides), a situação torna-se ainda mais crítica. “O único banco público de gâmetas tem uma incapacidade crónica e muito grave de resposta, com tempos de espera de vários anos”, alertou o presidente do CNPMA. Esta realidade compromete o acesso equitativo a estes tratamentos, especialmente para quem não tem meios financeiros para recorrer ao privado.
No Algarve, a falta de um centro público – apesar de “algumas movimentações e promessas” ao longo dos anos – é uma barreira adicional. Os casais da região veem-se obrigados a viajar centenas de quilómetros, acumulando despesas com deslocações, alojamento e, muitas vezes, tempo perdido no trabalho. Para Carlos Calhaz Jorge, esta desigualdade territorial “desfavorece seguramente as pessoas com menor capacidade financeira, que também têm direito a constituir a sua família.”
Quem é Carlos Calhaz Jorge?
Carlos Calhaz Jorge, recentemente eleito presidente do CNPMA até outubro de 2028, é uma figura de referência na medicina da reprodução em Portugal e na Europa. Professor catedrático jubilado e especialista em obstetrícia e ginecologia, liderou a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) entre 2021 e 2023 e foi presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução. A sua vasta experiência dá peso às suas críticas e propostas para o setor.
Um apelo à ação
Apesar de Portugal estar alinhado com os melhores padrões internacionais em termos de regulamentação e resultados na PMA, a falta de investimento público continua a ser o calcanhar de Aquiles. No Algarve, a criação de um centro público de PMA é uma necessidade urgente para reduzir as desigualdades de acesso e aliviar a pressão sobre os utentes. “É fundamental uma mobilização para colmatar esta lacuna”, defendeu Calhaz Jorge, apelando a um esforço conjunto do Governo e das autoridades de saúde.
A ausência de soluções concretas perpetua um sistema em que o acesso à PMA depende em grande parte da localização geográfica e da capacidade financeira de cada pessoa. Para os algarvios, o sonho de formar uma família continua a ser um caminho longo e dispendioso – a menos que o SNS dê um passo em frente.
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