As “milhares de vezes” que Rafael Reis desceu a Serra da Arrábida valeram-lhe hoje um ‘bis’ na Volta a Portugal em bicicleta, com o líder a ousar atacar para segurar, em Setúbal, o estatuto de ‘patrão’ do pelotão.
Filho da terra, ou não tivesse nascido em Setúbal e morasse em Palmela, o ciclista da Efapel demonstrou que também sabe vencer sem ser contra o cronómetro, atacando a descer após o alto da Arrábida para conquistar a primeira etapa em linha da 82.ª edição e reforçar a liderança da geral individual, num dia em que os favoritos subiram na classificação, mas cederam mais dois segundos para o camisola amarela.
“Eu sou daqui, já fiz isto milhares de vezes. Ia tendo dois percalços. A culpa não ia ser minha, foram as motos. São percalços que acontecem na corrida e, às vezes, não dá para controlar. Consegui vencer, é um sentimento mesmo especial, vencer de amarelo em Setúbal e passar em Palmela de amarelo… foi mesmo muito bom”, descreveu, depois de completar os 175,8 quilómetros entre Torres Vedras e Setúbal em 04:12.23 horas.
Rafael Reis lidera agora com 13 segundos de vantagem sobre o seu companheiro uruguaio Mauricio Moreira, que teve um problema técnico já dentro dos últimos três quilómetros e viu a organização retificar as classificações e creditar-lhe o tempo do pelotão, comandado pelo holandês Alex Molenaar (Burgos-BH), que foi segundo à frente do espanhol Sergio Samatier (Movistar).
O desejo de dar nas vistas na 82.ª a Volta a Portugal era tanto que, antes de ser ultrapassada a primeira contagem de montanha desta edição, uma quarta categoria localizada em Sobral de Monte Agraço, ao quilómetro 13, já três rostos conhecidos no ciclismo nacional tinham mais de dois minutos de vantagem sobre o pelotão.
Garikoitz Bravo (Euskaltel-Euskadi), vencedor da classificação da juventude em 2011, Willie Smit (Burgos-BH), o homem que no ano passado celebrizou o termo ‘saída à portuguesa’, e Carlos Miguel Salgueiro (LA Alumínios-LA Sport), vice-campeão nacional de contrarrelógio de sub-23, entenderam-se na perfeição e chegaram a dispor de uma diferença superior a quatro minutos.
Quando a Efapel assumiu, em força, a perseguição, já o suíço Joel Suter se tinha tornado o primeiro desistente da 82.ª edição, sendo acompanhado pouco depois pelo seu companheiro da Bingoal Pauwels Sauces Boris Vallée, com os fugitivos a verem a vantagem decair paulatinamente.
Na primeira passagem na Avenida Luísa Todi, João Benta (Rádio Popular-Boavista) caiu juntamente com Héctor Carretero (Movistar) e foi obrigado a perseguir o pelotão, depois de ficar largos momentos a aguardar por uma nova bicicleta – no final, em lágrimas, desolado e com sangue a escorrer-lhe no braço direito e rasgões no equipamento, foi consolado pelos colegas de equipa, antes de dirigir-se aos serviços médicos da prova.
Com Salgueiro, o último dos fugitivos, a ser alcançado já na subida à Arrábida, começaram os ataques no pelotão, com Carlos Oyarzún (Louletano-Loulé Concelho) a tentar a sua sorte e a levar na roda Hugo Nunes (Rádio Popular-Boavista), o ‘rei da montanha’ da edição especial, que foi o primeiro a coroar o alto e, por isso, passou a liderar aquela classificação.
A Efapel, contudo, tinha a estratégia bem delineada e, no início da descida, o camisola amarela saltou do grupo com tamanha rapidez que apanhou desprevenida, inclusive, uma moto da polícia – escapou por pouco ao embate – e, aproveitando o conhecimento único que tem destas paragens, onde treina diariamente, embalou para a segunda vitória consecutiva em etapas, celebrada com estilo, erguido na bicicleta e de braços cruzados, como o verdadeiro ‘patrão’ do pelotão.
“Era um plano. Era a nossa tática de corrida: se eu passasse a subida, que atacava a descer. Se os meus colegas me conseguissem seguir, seguíamos os três, porque fizeram o estudo da descida comigo. Se não conseguissem vir, eu tinha de ir sozinho. Só acreditei mesmo quando olhei para os últimos 200 metros e vi que ia ganhar”, assumiu o também vencedor do prólogo de quarta-feira.
O triunfo de Reis deixou a W52-FC Porto visivelmente insatisfeita, com Amaro Antunes, hoje 10.º, e um João Rodrigues irritado a dialogarem entre si, de rostos fechados, no final da tirada, enquanto o camisola amarela ainda festejava com os seus companheiros – o melhor dos ‘dragões’ é Joni Brandão, oitavo a 23 segundos, numa classificação em que Diego Lopéz (Kern Pharma) é terceiro, a 17 segundos.
Gustavo Veloso (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel) é o mais bem classificado entre os candidatos à luta pela geral, ocupando a sexta posição, a 22 segundos.
Na sexta-feira, Rafael Reis deve ter uma jornada tranquila na defesa da amarela, nos 162,1 quilómetros entre a estreante Ponte de Sor e Castelo Branco, numa segunda etapa vocacionada para os ‘sprinters’.