O Governo implementou uma nova medida para controlar a pandemia: exigir simultaneamente o certificado de vacinação e um teste negativo à covid para entrar em bares, discotecas e grandes eventos sem lugares marcados ou em recintos desportivos e também para entrar em Portugal por via aérea, terrestre ou marítima (com estas exceções). A regra foi anunciada quinta-feira pelo primeiro-ministro, depois de ter sido proposta numa reunião do Infarmed.
A medida pode gerar alguma confusão se não for bem explicada, dizem os especialistas ouvidos pelo Expresso, que se dividem nesta matéria. Para o virologista Pedro Simas, o “duplo controlo” não faz sentido e não se justifica tendo em conta a taxa de vacinação de Portugal (86% da população tem as duas doses). “É negar a ciência”, afirma. “Sabemos que as vacinas funcionam, são eficazes e conferem um grau de proteção muito grande.” O também diretor do Católica BioMedical Research Institute acrescenta que a medida pode minar a confiança das pessoas na vacina e desvalorizar o papel do certificado, pois pode passar a ideia de que a vacinação, afinal, não é suficiente.
A obrigatoriedade do teste a par do certificado de vacinação deve ser bem justificada porque, “ao ser comunicada sem uma explicação, pode não ser compreendida pelas pessoas”, diz Rui Gaspar, especialista em comunicação em saúde e coordenador da ferramenta de “Comunicação de Crise e Perceção de Riscos” da Direção-Geral da Saúde.
A dupla certificação vai ser exigida em contextos de maior probabilidade de contágio “porque há muitas pessoas, muito próximas, durante muito tempo” ㅡ aquilo a que Rui Gaspar chama “os três M”. Ao ser comunicado de uma forma simples, as pessoas percebem, “claro que podem concordar ou não, mas isso é outra questão, estamos a falar de compreensão”.
NOVA REGRA DIVIDE OS ESPECIALISTAS
A dupla certificação é “interessante” e “acaba por fazer sentido porque são eventos com muitas pessoas e com uma maior exposição”, justifica o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia. São contextos em que não conseguimos mitigar a disseminação do vírus com o uso de máscara ou o distanciamento e, aqui, os testes têm um papel importante, defende.
O médico de saúde pública acha que, ao longo dos últimos meses, se foi “desvalorizando o papel da testagem e é preciso retomar isso”. O duplo controlo vai permitir proteger melhor as pessoas, usando os testes como um complemento à vacinação, aponta Ricardo Mexia. “São medidas complementares: uma contribui para a efetividade da outra”.
Todas as medidas podem e devem ser equacionadas de acordo com o nível de incidência e com a gravidade da pandemia, afirma o pneumologista Filipe Froes, que é coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos e consultor da DGS. Não tem nada contra a medida, mas “compreenderia essa necessidade numa situação de maior gravidade”. Neste momento, acha que é mais prioritário acelerar a vacinação precisamente para evitar este tipo de medidas. “O que eu pretendo é o contrário”, explica.
Já Pedro Simas lembra que temos de perceber o que é uma endemia ㅡ o vírus não vai desaparecer ㅡ e por isso temos de “atuar normalmente com algumas cautelas”, defende. “Estamos a olhar para um problema que já não é o que era”. Por tudo isto, o virologista considera que a regra é “desproporcionada para o risco que há”.
“A COMUNICAÇÃO É ESSENCIALÍSSIMA”
Para haver coerência ao longo da pandemia devem existir “critérios claros de implementação das medidas para que as pessoas percebam”, diz Filipe Froes, também membro do Conselho Nacional de Saúde Pública. Aqui, “a comunicação é essencialíssima”. “O que é que ganhamos com a compreensão das pessoas e com a coerência das medidas? Aquilo que todos desejamos: o envolvimento e a adesão da população.”
Deve explicar-se que a proposta veio de um conjunto de estudos, indicadores e evidências que apontam nesse sentido. As pessoas, ao confiarem nos especialistas, também vão confiar nas medidas, diz o coordenador da ferramenta de “Comunicação de Crise e Perceção de Riscos” da DGS, Rui Gaspar.
“VACINA NÃO É A MELHOR ARMA PARA PREVENIR A TRANSMISSÃO”
Para Rui Gaspar é ainda importante clarificar junto das pessoas que a vacina é muito eficaz a prevenir a doença grave, hospitalização e morte, mas “não é a melhor arma para prevenir a transmissão”. “Sendo isso muito claro, as pessoas também percebem o porquê de voltarem algumas medidas mais restritivas.”
O pneumologista Filipe Froes concorda. A comunicação deve ser clara numa perspetiva de dizer que as vacinas são eficazes na prevenção da infeção e da transmissão, mas ainda são mais eficazes na prevenção da gravidade da doença e mortalidade.
Ricardo Mexia é da mesma opinião. O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública refere que, de alguma forma, foi sendo comunicado que a existência da vacinação era uma alternativa ao teste. Porém, “sabemos que a vacina tem como principal função reduzir as formas graves da doença e a mortalidade”.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL