Conceitos de urbanismo: Modernismo e Pós-Modernismo
As cidades no Algarve foram sendo construídas ao longo dos séculos por camadas, por gerações e gerações, tendo malhas urbanísticas claramente distintas face à época da sua formação. Estas marcas do território que são transmitidas pelos traços de um conjunto de arruamentos, assim como pela morfologia de ocupação, e o próprio desenho das fachadas, fazem o equilíbrio e a identidade de um local. Transmitem sobretudo uma cultura arquitetónica de uma época, e são também um espelho do que foi a sociedade, do seu pensamento filosófico, dos seus traços sociais, da sua economia, etc.
Durante a primeira metade do século XX, o urbanismo moderno defendeu a atribuição de zonas na cidade por funções, o comércio num espaço, as residências noutro, as ligações eram feitas por infraestruturas rodoviárias e os negócios nos centros das cidades deverão estar próximos.
Defendia-se, neste caso, a segmentação, ou seja, a separação da cidade por partes, ou funções: Habitação, Comércio, Transportes e Negócios, tendo como principal mote: a racionalização, na verdade, foi chamado Urbanismo Racionalista, cujo mentor principal foi o arquiteto “Le Corbusier”. A concentração dos edifícios, sendo muitas vezes de altura significativa, com espaço livre no piso térreo, e verde, no restante espaço é uma das imagens caraterísticas deste tipo de urbanismo.
Em Faro ou no Algarve, apesar de termos excelentes exemplares de arquitetura modernista e com muito valor patrimonial, não consigo ter presente uma intervenção urbanística completa e com escala, da época modernista. Porém, a sobreposição das infraestruturas rodoviárias aos centros históricos foi uma versão light à nossa maneira, deste pensamento filosófico, em que acabou por existir diversas demolições de bairros, ficando a meio, com pedaços por completar e acertar.
O Urbanismo Pós-Moderno, já com Kevin Lynch, procura contrariar esta filosofia, criando a imagem da cidade da perspetiva do utilizador, valorizando um conceito de estrutura urbana nas ruas e percursos, passando a existir um conjunto de referências, como limites, nós e bairros.
Nesta teoria, os centros históricos são defendidos e este pensamento acabou por durar até aos dias de hoje.
Habitação: que acesso?
Com o crescimento da economia, e com um mercado de arrendamento ainda débil, constata-se que estamos numa época em que os valores de mercado das habitações são realmente excessivos para a generalidade dos cidadãos, empurrando os jovens e a classe média ou média baixa para uma inacessibilidade à habitação de forma generalizada.
Cresce, assim, um modelo económico para o endividamento ou para a vivência em casas partilhadas com os pais, ou no limite para o prolongamento da vida de solteiro, dado que é mais fácil, cómodo e acessível. A procura por apartamentos pequenos, muito mais reduzidos, flexíveis, é agora uma solução também desejada, por ser esforço financeiro mais fácil de suportar.
Por outro lado, como os preços dentro dos Centros Históricos subiram face à procura económica de negócios de todo o tipo, os espaços de habitação serão naturalmente instalados mais nas periferias das cidades, assim como em zonas que não tenham tanta pressão. Começam-se a gerar de forma muito significativa, fenómenos de periferização, que nada têm de Modernismo, em termos teóricos, mas apenas às lógicas de mercado imobiliário.
O alojamento local face à procura turística em crescente produziu nalgumas cidades, alguma turistização dos centros históricos, embora na sua maioria, anteriormente estivessem desocupadas ou devolutas. Não se poderá entender de forma simplista que este problema de acesso à habitação é apenas uma consequência do alojamento local, dado que existem outras questões como a legislação fiscal de apoio ao arrendamento, assim como a construção de fogos habitacionais por parte do Estado que foi largamente descurada, nos últimos tempos.
A habitação e o povoamento é a essência das nossas cidades, sendo desejável a mistura entre as diferentes funções, com o comércio local e os serviços. Sem pessoas não existe segurança, nem conforto, nem saudável convívio humano, pelo que é imperioso pensar as cidades com uma lógica do nosso tempo, mas equilibrando questões menos positivas.
A política de habitação é importante e exige um debate aberto e sério, sendo que é uma necessidade intervir. A subida de preços resultante do desenvolvimento económico é uma realidade. Em contraponto, a urgência nas necessidades de habitação por tantos milhares de pessoas poderá fazer renascer os bairros de lata e os subalugueres.
O papel de uma autarquia ou de um governo deverá ser um regulador destes casos, apoiando também os desprotegidos, por ser esse o primeiro e principal papel do Estado.
Que urbanismo pretendemos?
O ato de projetar próprio dos arquitetos deverá ter uma lógica que possa dar força a opções de planeamento determinantes para a qualidade de vida dos cidadãos. Estando em fase de revisão dos PDM’s, e devendo possuir uma estratégia global, considera-se aqui que o papel do urbanismo sai reforçado, na medida em que é imperioso definir áreas suficientes de habitação face às necessidades, podendo esta habitação ser a custos controlados ou não.
As misturas de usos e de vivências populacionais, de modo contrário à segregação de camadas da população em “guetos” é fundamental para uma sociedade equilibrada, evitando soluções desumanas e pouco dignas. Esta questão que parece ser óbvia e sem qualquer tipo de dúvida face às experiências anteriores, coloca-se nos dias de hoje, dadas as grandes dificuldades de criar soluções de realojamento.
Terrenos privados livres e disponíveis nos arrabaldes da cidade de Faro são hoje ocupados com comunidades de etnia cigana, os quais uma vez instalados, crescem em condições de insalubridade e de precaridade. Esta realidade deverá ser tratada, procurando soluções alternativas de habitação, adaptados à comunidade, eventualmente em habitações térreas, e com áreas exteriores, em terrenos municipais.
A integração de outras comunidades como a dos pescadores da Praia de Faro, deverá ter uma solução condigna, fora das zonas de risco, mas em locais adaptados, coerentes com o seu modo de vida. A localização do espaço ideal será uma tarefa dos técnicos urbanistas que serão especialistas na procura de soluções estratégicas para problemas mais específicos.
A habitação é um direito constitucional, mas será de difícil compreensão a reinstalação de habitação em áreas vulneráveis em espaço dunar, quando tanto se demoliu, a pretexto deste fundamento.
Todos devemos procurar participar nas decisões, com uma visão abrangente e integradora, e exigir as soluções adequadas para o nosso território.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Maio)