Mal sabia a jornalista Lucília Galha que o seu livro “Morte assistida”, com prefácio de Maria Filomena Mónica, Oficina do Livro, 2013, estaria na berra em Fevereiro de 2018, a questão da morte assistida parece regressar à Assembleia da República e nos meios de comunicação social iremos assistir à costumada troca de argumentos, a favor e contra.
No prefácio, a investigadora Filomena Mónica abre as hostilidades: “Mais do que a morte, o que nós, homens e mulheres do século XXI tememos é a forma como morremos”. E, mais adiante: “Hoje, a morte acontece quase sempre em enfermarias, nos cuidados intensivos ou em blocos operatórios, perdeu-se o contacto com o médico que calcorreava as ruas, e que nos conhecia há muitos anos. Habituados a viver numa espécie de torre de marfim, têm de se habituar a falar com os doentes e as suas famílias, sobre o fim da vida. Os especialistas devem pronunciar-se sobre o diagnóstico e sobre os tratamentos, mas é a nós, cidadãos, que compete a última palavra”.
A autora recorda as resistências que encontrou para pôr este projecto em andamento, muitas foram as portas que se fecharam, mas também muitas se abriram, e ela agradece essa disponibilidade para comunicar sobre questões tão sérias e tão tensionais. Os cinco anos que distam do aparecimento do livro permitem dizer que o assunto já não é tão profundamente tabu, ganha consensos, o testamento vital foi um bom pontapé de saída, retirou crispação e removeu engulhos a preconceitos religiosos. Estamos perante um trabalho em que ouvem diferentes testemunhos de doentes por vezes num sofrimentos excruciante que gostariam de ter a opção da morte assistida e poder partir em paz. Por isso, a diferentes títulos, se deve retomar esta leitura sobre questão tão escaldante, já que poucos países despenalizaram a eutanásia e o suicídio medicamente assistido. Nos países que a autorizam, põem-se condições obrigatórias: o doente tem que ter a convicção de que não há outra solução razoável para a sua situação; o médico tem que estar convencido de que o pedido é voluntário, decorre de livre vontade, num ambiente em que o sofrimento do doente é permanente e insuportável; o médico deverá observar o doente e dar a sua opinião por escrito, isto dito sinteticamente.
Lucília Galha foi bem-sucedida nas entrevistas que teve com pessoas num estado mais ou menos terminal, ficou-lhes solidária: “Podem não ter apenas seis meses de vida mas têm sentenças de morte anunciadas que são acompanhadas de um grande sofrimento físico, psíquico e existencial. Para elas, saber que teriam aqui, em Portugal, a possibilidade de escolherem como seria a sua morte dar-lhes-ia alguma paz de espírito. Foi por elas, e para elas, que escrevi este livro”.
São encontros comoventes, fala-se das origens, da educação recebida, da notícia do cancro que caiu como um trovão, dos encontros e desencontros afectivos, de um sofrimento sem fim. É descrito o suicídio de alguém em Zurique na Dignitas, dá pelo nome de Maria. Laura tinha apenas 42 anos quando recebeu o primeiro diagnóstico. Descobriu um nódulo numa palpação de rotina, na parte de cima da mama direita. Na cirurgia removeram-lhe um quarto da mama, fez depois algumas sessões de radioterapia. Seis anos mais tarde teve uma recidiva. Desta vez o tumor era mais profundo e estava mesmo em cima do músculo grande peitoral, não havia outra hipótese se não fazer a mastectomia. E o cancro regressou mais uma vez, vieram as metástases ósseas (no ombro, na clavícula, no esterno e na coluna lombar) e uns nódulos pulmonares ainda por determinar. Tem poucos anos de vida, vive assustada com as dores e incapacidade física. Na entrevista falam do luto, isto é, na despedida das capacidades que a pessoa tinha e que já não consegue ter. Esta mulher chama-se Laura, gostava de morrer o mais pacificamente possível, gostava de manter-se activa até ao fim.
É impossível ficar neutro com os testemunhos de Maria, Laura, Rogério, Guilherme, Fernanda, Hélio e Manuela.