Robin Grimes, antigo consultor científico do Ministério da Defesa britânico para a ciência e tecnologia nuclear, acredita que, com o isolamento científico da Rússia cada vez mais evidente, o país “ficará para trás até na área da energia”, onde se destaca. O professor de Física de Materiais do Imperial College London esteve no Gana durante três dias, para trabalhar num projeto de desenho de sistemas que emitem pouco carbono para auxiliar os serviços de saúde. No entanto, aceitou conversar com o Expresso, sobre estes sinais, que acredita que são preocupantes.
Que sinais já começam a aparecer de que a Rússia pode estar a ficar isolada cientificamente?
Há sempre um espectro nestas coisas. Neste momento, há relações e acordos entre instituições e muitos países do Ocidente. Há algumas instituições russas que têm algum nível de relação com o Estado. Estas últimas, ou estão a ser canceladas, ou estão a ser colocadas em espera. Esta foi a primeira coisa que aconteceu.
Há ainda relações entre universidades, e também entre universidades há casos de relações que estão suspensas.
Em menor quantidade, há relações entre cientistas russos e universidades/organizações e outros indivíduos do Ocidente. Essas também estão a ser boicotadas. E, muitas vezes, estes indivíduos não são necessariamente apoiantes da guerra. Os cientistas ocidentais que estão a falar com estes cientistas russos compreendem se apoiam, ou não, a guerra, e, se apoiam, não querem colaborar com eles. Se os cientistas russos não apoiam a guerra, é muito mais fácil continuar a colaboração. Mas um dos problemas cruciais é definido por esta pergunta: como é que as relações resultam em conhecimento científico e descobertas relevantes? Com confiança, com compreensão acerca da ligação emocional entre pessoas e instituições. Se colaboramos com uma pessoa num projeto tecnológico, primeiro definimos qual é a ideia, depois avançamos com algumas experiências, depois escrevemos acerca das nossas descobertas. Só depois avançamos para os passos seguintes, que passam por utilizar algumas destas ideias de uma forma mais comercial. Finalmente, chegaríamos aos benefícios tecnológicos. Mas isso leva tempo.
Como cientistas, nós temos escolhas. Podemos decidir com quem vamos colaborar. E o que acontece é que, como a Rússia vai perceber que muitas colaborações estão comprometidas ou suspensas, terá de ir procurar em outros lugares possíveis candidatos para estes compromissos. Os cientistas são criaturas de hábitos.
Por isso é que diz que as relações com as instituições e cientistas russos tão cedo não serão reparadas?
Sim, porque mal a Rússia inicie colaborações em outros lugares, manterá esses entendimentos. Não se pode colaborar com toda a gente, não temos tempo para tudo. Por isso, o que acontecerá será uma junção entre decisões repentinas e um decréscimo lento ao longo do tempo. A Rússia acabará por não ter outra hipótese além de colaborar com a Bielorrússia. Talvez outros países igualmente óbvios começarão também a colaborar com a Rússia, mas a maior parte dos países do mundo não o fará.
E essa é uma ótima palavra: “Reparar.” Estas relações demoram muito tempo a ser reparadas.
Será uma perda muito significativa para a Rússia? Onde é que poderá sentir mais?Será uma perda muito grande para a Rússia.
O crescimento económico também depende muito dos desenvolvimentos tecnológicos e da produção de conhecimento científico, da inovação, de uma forma geral.
Exatamente, a ciência tem impacto em todos esses aspetos da sociedade russa. É a base das invenções tecnológicas que podem ser exploradas para ganhos económicos. É também a base de toda a tecnologia que serve de apoio à existência, a todas as atividades da subsistência. Podemos pensar na indústria do gás, por exemplo. Pode tornar-se menos eficiente e ficar para trás, no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico. A transição para as emissões ‘zero’ de carbono… Todas as novas tecnologias requerem este conhecimento, sobretudo o armazenamento de energia. A Rússia ficará para trás em muitas dessas coisas.
No entanto, haverá algumas exceções. Essas exceções incluirão exemplos em que teremos de continuar a partilhar dados e informação. Falamos, por exemplo, de dados meteorológicos. Será necessário, também para nós, partilhar essa informação, como as temperaturas medidas nos locais, e a Rússia terá de nos fornecer esses dados, porque todas as previsões acerca da última tempestade nas Filipinas dependem de todas as temperaturas e pressões atmosféricas em todo o planeta. Precisamos de todos os valores. Essa cooperação terá de manter-se.
Por outro lado, todos os dados acerca de se têm ou não sido testadas armas ilegais têm de ser públicos. Outro exemplo: a descoberta de uma nova variante do SARS-CoV-2… Claro que quereremos partilhar essa informação e garantir que essa divulgação se perpetua.
A Rússia é evoluída em alguns aspetos, mas já está para trás em outras áreas. Este isolamento científico poderá significar um atraso ainda maior?
Sim, perderá o acesso a informação e dados, perderá anos de desenvolvimento, perderá oportunidades. Aos poucos, acabará por perder a corrida tecnológica. E, por acaso, nós não queremos que a Rússia fique para trás em aspetos como a tecnologia aplicada à medicina. Nós não queremos ver mais pessoas a sofrer.
Por outro lado, por causa desta guerra, há pessoas na Ucrânia que estão a sofrer. As ações têm consequências.
E a pandemia expôs como um problema de saúde, um vírus, numa parte do mundo pode atingir todos os outros países. Em que áreas do conhecimento científico a Rússia tem maior destaque?
A Rússia é extraordinariamente boa em matemática complexa. Tem uma reputação que construiu ao longo de centenas de anos, no que diz respeito à resolução de problemas matemáticos complexos na área da engenharia. Dinâmica de fluidos, por exemplo. Quando necessitamos de equações complexas para utilizar para previsões… A forma de o descrever é física matemática. São muito bons nisso. Noutras áreas também, mas já mais longe do meu campo de atividade.
Durante as décadas da Guerra Fria, era no espaço que muitas vezes a Rússia demonstrava a sua força. E, agora, ironicamente, que perdas pode sofrer a Rússia na área da exploração espacial?
É um ótimo exemplo. A engenharia espacial russa é, de facto, muito boa. Eles têm tido um sucesso tremendo com foguetes e satélites, com apoios para a Estação Espacial. Mesmo que isso não paralise, haverá hesitações. E, quando as pessoas veem hesitações, começam a procurar noutros lugares. As pessoas ficarão relutantes em usar sistemas russos, e haverá competição. A Rússia perderá a sua competitividade, como consequência de tudo isto. Mas quanto tempo demorará esta guerra?
Quanto tempo acredita que durará?
Penso que têm surgido alguns pequenos sinais de aproximação. Quanto mais rápida for a conclusão desta guerra, menores serão os prejuízos que a Rússia irá sentir.
Este corte de relações pode ter um grande impacto na ciência à escala mundial?
Não. Será sentido algum impacto, mas não tão grave, porque temos muitas opções. Alguns indivíduos ocidentais perderão muito, no meio de tudo isto, terão de substituir parcerias, mas terão sempre com quem colaborar. Há muitos países com os quais podemos cooperar. A ciência não será tão afetada como a Rússia será.
Alguns livros, quadros e outras formas de arte russa têm sido colocadas de parte. Receia que a mesma forma de discriminação seja aplicada aos cientistas russos?
É justo dizer que a sociedade em geral não apoia a ideia de censura. A ciência deve ser julgada com base no mérito e na qualidade que tem. Deve ser julgada pelo grau de confiança que realmente temos nos dados que nos são apresentados. Quem produziu essa ciência… Isso já é outra história… Por exemplo, algumas experiências desenvolvidas pelos nazis durante a II Guerra Mundial. Mas, além de ser horrenda, para ser honesto, também não era boa ciência. Eles usavam maus pontos de partida e faziam-no a partir de um ponto de vista filosófico que não levava a boa ciência.
A ciência russa é diferente; é geralmente desenvolvida de uma forma rigorosa e recorrendo a bons e robustos métodos científicos.
Há, no entanto, o risco de os cientistas russos ficarem na mira das suspeitas internacionais, por se recear que as suas descobertas sejam usadas para outros fins?
Falamos, por exemplo, da energia nuclear. Acredito que, sim, as pessoas recearão que a investigação científica produzida pela Rússia tenha outros propósitos além daqueles que estão à vista.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL