Ao longo da História da Humanidade, foram muitas as epidemias que repetidamente assolaram Nações e Povos, dizimando populações, limitando o crescimento demográfico, determinando, por vezes, o fim de civilizações, a emergência de novos poderes, a supremacia de novas crenças, condicionando, mudando, determinando, muitas vezes, cursos diferentes para a História.
1.
A peste Antonina surge no Império Romano de forma coincidente com o fim da chamada Pax Romana, um longo período de mais de 150 anos de relativa paz – gerada pela força das armas e pelo autoritarismo – e de grande prosperidade no império. No seu auge, a praga matava mais de 2000 pessoas por dia em Roma, com uma taxa de mortalidade de 25%, estimando-se que tenham morrido mais de 5 milhões de pessoas e que, algumas cidades, tenham perdido um terço da sua população. O declínio populacional que representou, a maior dificuldade em mobilizar contingentes militares numerosos, a consequente diminuição da produção, a menor capacidade de cobrar impostos e uma série de guerras que desafiavam a supremacia Romana, marcaram, de alguma forma, o início de um processo de decadência do império.
A chamada crise do terceiro século, determinante nesse processo, foi igualmente coincidente com outra epidemia, a praga de Cipriano, provavelmente de varíola e sarampo. No auge da epidemia, que durou cerca de duas décadas, morriam 5000 pessoas por dia na capital imperial. Este foi, certamente, um factor que tornou o império mais permeável às sucessivas incursões, invasões e ataques às suas fronteiras, pelosBárbaros e peloImpério Sassânida, que marcaram este período de profundo enfraquecimento demográfico, militar, financeiro, económico e político que culmina, já no século V, com a fragmentação da parte ocidental do império. Foi também no contexto desta praga de Cipriano que ocorre uma ampla conversão dos Romanos ao Cristianismo, que encontram no auxílio aos enfermos e na ideia da salvação para a vida eterna uma resposta mais satisfatória à ameaça omnipresente da doença e da morte.
2.
Desfeito o Império Romano do ocidente, a sua parte oriental, separada precisamente nos tempos de caos vividos no século III, sobreviveu e tem a sua capital em Constantinopla, até 330 d.C. chamada de Bizâncio, o que deu nome ao Império Bizantino.
Estamos no século VI, reina o Imperador Justiniano empenhado em devolver o Império Romano às suas antigas fronteiras. As campanhas militares, que Justiniano lançou, contavam já com importantes vitórias, tendo mesmo alcançado o feito de retomar toda a Itália, o Norte de África e parte (pequena) da Península Ibérica. Parecia, então, ser possível o ressurgimento de um império capaz de restabelecer um controlo unificado do Mediterrâneo, quando Constantinopla é atingida pelo primeiro surto de uma pandemia que passou a ser designada de “praga de Justiniano” e que foi tendo sucessivas vagas durante cerca de dois séculos.
Depois de dizimar os habitantes da cidade, havendo descrições contemporâneas que chegam a afirmar que havia diariamente 5 a 10 mil mortes na capital, a praga continuou a alastrar por outras cidades do Império Bizantino, causando confusão social, paralisia económica, enfraquecimento militar e definhamento político. No entanto, a praga não se restringe ao império. Atravessa as suas fronteiras, afectando os Germânicos, havendo também indícios de uma crise demográfica no Reino Visigótico da Península Ibérica e afectando também os Persas, que contraem a doença durante a guerra contra os Bizantinos, em 543 d.C. Não só o sonho do ressurgimento do Império Romano não se concretiza, como reside no enfraquecimento decorrente destes dois impérios que, de resto, nesse contexto, firmaram até a paz, parte importante da explicação da ampla e vertiginosa expansão Árabe que passou a dominar, em pouco mais de um século, os territórios até à India, todo o Norte de África e a maior parte da Península Ibérica.
3.
A peste negra é, porventura, a pandemia mais presente no nosso imaginário colectivo. Atinge a Europa em 1346 e estima-se que tenha sido responsável, em apenas sete anos, pela morte de cerca de 60% da população. Cinquenta dos oitenta milhões de Europeus terão morrido entre 1346 e 1353, no que representou uma impressionante disrupção económica, política e social. A pandemia encontrou uma Europa que vinha de um longo ciclo de crescimento populacional que, não só foi interrompido, como só cerca de dois séculos depois foi capaz de recuperar os seus níveis populacionais. Esta depressão demográfica, verdadeiramente única, transformou profundamente a equação nas relações sociais e económicas. Se até à crise epidémica as terras agrícolas eram escassas para tanta mão de obra, o que determinava rendas de terras elevadas e baixo custo laboral, e insuficientes para alimentar toda a população, um número tão elevado de mortes determinou, de facto, a subida do nível de vida dos sobreviventes. Menos trabalhadores para as mesmas terras, mais habitação disponível, mais terra de cultivo para menores necessidades alimentares foram, provavelmente, as principais causas que precipitaram o fim do feudalismo e deram início à designada Idade Moderna.
A peste negra terá tido também um papel num dos episódios da História da constituição e afirmação da nacionalidade. Com efeito, na crise de 1383-1385, o cerco das tropas de D. João I de Castela a Lisboa, mobilizada em torno do Mestre de Avis, é levantado cinco meses depois, sobretudo, devido à peste que assolou o exército Castelhano e que causou baixas insustentáveis. A vitória Portuguesa foi selada, no ano seguinte, na batalha de Aljubarrota, que consolida D. João I como o primeiro Rei de Portugal da Dinastia de Avis e abre caminho a uma das mais marcantes épocas da História de Portugal.
4.
Hernando Cortés, com cerca de 600 homens, conquistou o Império Asteca de milhões de pessoas. Mais tarde, Francisco Pizarro, com duzentos homens, submeteu o Império Inca ao poderio espanhol quase já sem encontrar resistência militar. É certo que havia superioridade tecnológica militar, a pólvora, que os espanhóis apareceram com cavalos, que seriam assustadores, que, numa fase inicial, foram confundidos com deuses, que Cortés demonstrou habilidades em encontrar e mobilizar populações indígenas aliadas contra o domínio Asteca, que Pizarro encontrou um Império Inca em estado de guerra civil e disputa pelo poder entre dois filhos do último Imperador, que Pizarro, recebido pacificamente, acabou por emboscar as forças do Imperador, que prenderam e mais tarde mataram. No entanto, por mais brutais, desleais, violentos e sanguinários que, manifestamente, tenham sido os Espanhóis, não teria sido possível, para umas centenas de homens, a conquista, subjugação e, sobretudo, a aniquilação de qualquer vestígio vivo de culturas importantes e civilizações desenvolvidas, como as que encontraram.
Com efeito, os espanhóis, quando chegaram à América, levavam consigo uma outra arma muito mais letal – a gripe, o sarampo, a malária, a cólera, o tifo e, a mais mortal de todas, a varíola. A varíola, endémica na Europa e na Ásia há séculos, encontra na América uma população sem prévia exposição e, portanto, sem imunidade. A mortandade que aconteceu nessas populações não encontra qualquer paralelo na História. Estima-se que cerca de 90% da população indígena tenha morrido. Neste contexto, percebe-se bem o desmoronamento das autoridades locais, dos seus ritos, dos seus Deuses, que pareciam ter desertado perante Deuses maiores, a subjugação e fácil e absolutamente generalizada cristianização da população pelos missionários europeus.
O golpe demográfico foi tão severo que há até estudos que sustentam que possa ter havido um arrefecimento climático global, como resultado do crescimento de vegetação e ocupação por árvores de campos anteriormente lavrados, retendo, assim, mais CO2 da atmosfera. Terá sido esse abandono de cerca de 55 mil hectares de terras antes cultivadas (seis vezes a área de Portugal) a explicação para a chamada “pequena idade do gelo”, que congelou regularmente o Rio Tamisa ou provocou, em Portugal, frequentes tempestades de neve no fim do séc. XV, início do séc. XVI.
5.
No final do ano de 2019 é detectado na China um misterioso vírus que causava problemas respiratórios. Esse vírus, depois classificado como um coronavírus e chamado de Covid-19, provocou rapidamente números crescentes de contágios na província chinesa de Wuhan e logo em 30 de Janeiro de 2020 o surto foi declarado pela OMS como uma Emergência de Saúde Pública de âmbito internacional. As especificidades do vírus, designadamente a sua transmissibilidade elevada e a sua capacidade de se alojar assintomaticamente durante 14 dias, tornando o portador inadvertidamente fonte de contágio, e um Mundo de grande mobilidade internacional de mercadorias e pessoas, aceleraram, relativamente, o caminho percorrido até ser uma pandemia mundial que, em Abril, já afecta simultaneamente cerca de 200 países e territórios.
Esta é uma pandemia que não causou, não causará, nem de perto, o número de mortes absolutas, e sobretudo relativas, de epidemias ou pandemias que a humanidade sofreu no passado. A não imputação das suas causas a castigos dos deuses, que permite a adopção de comportamentos que evitem as verdadeiras causas do contágio, e os enormes progressos científicos e de saúde pública assim o determinarão.
Não quer isto, no entanto, dizer que esta crise pandémica não tenha os mesmos contornos disruptivos que marcaram muitos episódios anteriores da História, com enormes consequências políticas, sociais, culturais e económicas.
Desde logo, já nem sequer é futurologia, teremos uma crise global que, resultado de uma paragem forçada da actividade económica mundial, arrastará todos os países e sectores em simultâneo numa recessão severa de dimensões ciclópicas e contornos propiciadores da desestruturação económica, social e geopolítica global.
Esta crise apanha uma China que, nos últimos 40 anos, cresceu o triplo da média global, que retirou da pobreza 800 milhões de Chineses, que passou de um dezasseis avos da economia Americana para se projectar na disputa dessa liderança – que, de resto, teve até ao início do séc. XIX – que é já a maior potência comercial do mundo, o maior detentor de reservas cambiais, que tem um crescente peso militar e que tem interesses e uma estratégia de intervenção e influência verdadeiramente globais, materializada, designadamente, com o plano da nova “Rota da seda”.
É certo, em 2019 a China já teve o crescimento mais fraco – elevado na perspectiva ocidental – desde a revolta e massacre de Tiananmen.
A crise sanitária evidenciou também, na fase inicial, não nos esqueçamos, a natureza do regime Chinês que, numa primeira fase, negou a gravidade da situação e perseguiu quem a denunciava, o que a impediu de controlar os seus efeitos e a sua propagação global.
Numa segunda etapa, já com sinais de contestação interna através das redes sociais, apesar do seu controlo, admitiu a sua existência e reagiu de forma resoluta, com medidas extremas de confinamento e a construção de hospitais em tempo recorde, tendo, aparentemente, domado a epidemia e rapidamente passado à “ofensiva” com um ampla acção de diplomacia solidária, de propaganda/comunicação e de afirmação da sua capacidade de lidar com a situação e do seu papel no sistema internacional que, de alguma forma, já impera sobre uma série de Estados/clientes dependentes da sua capacidade de produção de larga escala.
Os Estados Unidos são (ainda) inequivocamente a superpotência global a níveis sem precedentes na história mundial. A sua centralidade na economia e geopolítica mundiais, tem assentado no seu poderio militar, muitíssimo superior a qualquer outra potência com uma ascendência sem paralelo histórico, na sua superioridade tecnológica e liderança nos sectores da “nova” economia com elevados potenciais de crescimento e natureza monopolizadora, no controlo de recursos energéticos e, tão importante quanto o poderio militar, na faculdade de disporem da moeda hegemónica do sistema financeiro internacional.
Sendo isso inegável, e estando os Estados Unidos a crescer ininterruptamente há uma década, assistimos, no entanto, não só a um crescendo das assimetrias económicas na sociedade americana, como a uma redução do seu diferencial face às economias emergentes (quase por definição) e ao crescimento de uma, pelo menos, percepção geral do declínio relativo do seu poder num sistema internacional fluído, instável, mais imprevisível e polarizado. Nesse quadro, as externalidades políticas e seus protagonistas são também, simultaneamente, causa e consequência dessa percepção. O proteccionismo, isolacionismo, a afirmação da “América primeiro” e as acções económicas e militares erráticas, a materialização desse processo.
Esta crise confronta também os Estados Unidos com as suas fragilidades, por exemplo, na área da saúde que, sendo a mais cara do Mundo, não é capaz de prestar cuidados de primeiro Mundo aos seus cidadãos, não a garantindo como um direito igual e universal para todos. Esta desprotecção social ampla, também na área laboral, é ainda mais trágica se percebermos que, em apenas duas semanas, a crise gerou 10 milhões de novos desempregados que, assim, perdem também o seguro e a protecção na saúde e que são confrontados com a indigna escolha entre a carteira e a vida.
Os Estados Unidos mostram, porém, tal como na crise de 2008 de que viriam a sair, sendo o seu berço, bem mais cedo que a Europa, uma rapidez paradoxal e descomplexada em lançar um pacote de “resgate” com dinheiro público que ronda os 10% do PIB e que, sendo o maior da História, estará já na forja o seu reforço.
Será, assim, manifestamente exagerado prognosticar o fim da Pax Americana – por analogia à Pax Romana.
A Europa deixou há muito de ser o centro gravítico da geopolítica mundial. Dizimada pelasguerras, contruiu sobre as suas cinzas uma União que foi, durante décadas, um garante importante de paz, prosperidade, desenvolvimento e solidariedade. Esse processo foi sempre representando, em si mesmo, um sucesso, todas as vezes que um grupo de países foi capaz de, em cimeiras, resolver mediante acordos diferenças e interesses divergentes que, no passado, desencadeavam guerras. Entendida enquanto um todo, a Europa é a maior economia do Mundo, o maior mercado mundial, à frente dos Estados Unidos, é a segunda potência comercial do mundo, depois da China, é o principal parceiro comercial da China e dos Estados Unidos, lidera a agenda climática, é o maior doador mundial de ajuda humanitária, tem a segunda moeda de reserva mais utilizada no mundo, possui, apesar da sua erosão, os melhores níveis de protecção social, ocupa o lugar de destaque em termos de qualidade de vida e bem estar, é, sobre qualquer perspectiva, o território mais tolerante, livre e igualitário do mundo.
A Europa tem vivido, no entanto, uma crise existencial que decorre, de alguma forma, das tensões, contradições e limitações, geradas e evidenciadas por uma década de sucessivas crises que pareceram minguar o terreno do entendimento e da convergência de interesses – que justificaram a união – que a fragmentaram e têm enfraquecido governos nacionais por forças populistas.
Porém, verdadeiramente, estas crises, mesmo quando reveladoras das limitações do projecto europeu, são mesmo a evidência da transnacionalização dos nossos problemas e que a UE é mesmo a melhor das opções para lhes dar resposta. Esta crise sanitária e a consequente crise económica será a mais ostensiva dessas evidências. As respostas próprias não serão solução para nenhum dos, mais ou menos ricos, países europeus. Não chegará até uma boa coordenação europeia de respostas nacionais. É mesmo imperiosa uma convergência que sustente uma iniciativa verdadeiramente europeia. A solidariedade não é, neste contexto, nem um altruísmo nem uma opção, é uma necessidade imperiosa numa altura em que nenhum país europeu conseguirá sair da recessão sem que os outros países europeus o consigam. Assim o é também, de forma estrutural, para o (nosso) futuro colectivo.
Em 1900 a Europa representava 25% da população mundial, hoje cerca de 6%. Até 2060, nenhum país europeu terá mais de 1% da população mundial. Como disse uma vez Frans Timmermans, “há dois tipos de Estados-Membros,os pequenos, e aqueles que ainda não entenderam que são pequenos”. Sob pena da irrelevância de todos, e da incapacidade de determinarem o seu destino, só uma soberania comum, mais forte para todos, colocará cada país mais capaz de defender os seus interesses nacionais e de influir nos acontecimentos globais.
Como dita o provérbio Dinamarquês, “fazer previsões é difícil, especialmente se forem sobre o futuro.” Mas, que não haja ilusões. Esta crise será severa. Afectará a Europa. Afectará todo o mundo. Nesse sentido, ao contrário das já evocadas, não está determinado o rearranjo da nova ordem que daqui resultará. O nosso destino está nas nossas mãos. Agarremo-lo!
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