No pronto-a-vestir Ana Torres, na Rua de Santa Catarina, no coração da cidade do Porto, as vendas ao postigo são inexistentes.
“Assim ao postigo até dá vontade de chorar. Está uma miséria. Os clientes não compram sem experimentar e eu não posso trocar roupa, porque não tenho máquina para desinfetar. Se isto continuar assim fecho a loja novamente. Não vale a pena estar aqui a deprimir”, desabafa Ana Torres, com os olhos vidrados das lágrimas.
Em anos passados, por esta altura de primavera, estava a vender “roupa de verão” e “biquínis para as clientes levarem para o Algarve nas férias da Páscoa“.
Este ano, Ana Torres nem sequer mandou vir a coleção de verão, por medo de o Governo voltar a mandar fechar tudo, conta, revoltada com a “desigualdade” das medidas de desconfinamento decretadas. “Permitem os cabeleireiros ter clientes no interior a centímetros de distância e não permitem ter uma loja de roupa com uma única cliente na loja”, desabafa.
“Hoje [quarta-feira] vendi um par de sapatos. O cliente queria um modelo clássico, experimentou à porta o calçado com uma meia especial e comprou. Mas há 10 anos que trabalho no comércio local e é a primeira vez que vendo ao postigo. É muito estranho”, desabafa Susana Gusmão, funcionária da Sapataria Pedantes, na Rua da Assunção, bem ao lado do monumento histórico da Torre dos Clérigos.
Para a vendedora, é “absurda” a venda de sapatos ao postigo.
“Sinceramente não tem lógica. Se podem estar duas pessoas num salão de cabeleireiros, por que razão não pode ir uma pessoa a uma sapataria comprar sapatos”, questiona, indignada.
Na Praça Marquês de Pombal a maioria das lojas abriu ao postigo a vender café, utilitários, roupa e acessórios de moda. Mas os clientes são pouquinhos e é raríssimo encontrar uma fila de pessoas ou aglomerados para comprar seja que produto for.
Adélia Lima, funcionária nos Armazéns do Marquês, conta que nos três primeiros dias de venda ao postigo o que mais tem vendido são pijamas, “porque há muitas pessoas internadas nos hospitais”, e lingerie, principalmente “cuequinhas”, porque “as pessoas estão a precisar”.
Os “paninhos de cozinha” e os “jogos de banho e lençóis” são outros bens que se tem conseguido vender ao postigo nos Armazéns do Marquês, revela, explicando que os clientes estão a voltar aos poucos ao espaço, porque são fiéis à loja.
“A nossa loja tem muitos anos e os clientes já são uma família”, sustenta.
Mesmo ao lado, num pronto a vestir da cadeia W52, as lojistas Patrícia Santos e Marlene Ribeiro contam que o bom tempo ajuda, “um bocadinho”, nas vendas ao postigo.
Mas o negócio só se vai fazendo porque a loja aceita fazer trocas. “Senão fosse possível fazer trocas, não fazíamos mesmo negócio”, considerou Patrícia Santos.
Na loja de vestuário Filomena Correia, na rua João Ribeiro, junto à Praça do Marquês, a proprietária revela que os clientes não querem comprar roupa sem experimentar.
Apesar das vendas ao postigo serem residuais e de só conseguir vender algumas écharpes e blusas em promoção, Filomena Correia, a dona, lá vai confessando que é “melhor assim do que a loja estar encerrada”.
A venda do café e do rissol de vitela ao postigo tem alguns clientes.
A Lusa encontrou Rosa Meireles, 83 anos, reformada, a beber o seu café com leite, em copo de papel, na Confeitaria da Praça do Marquês de Pombal.
Conta que quem lhe tira aquele café com leite tira-lhe tudo, tira-lha e felicidade. Apesar de ser ao postigo, Rosa revela-se feliz por poder voltar a beber café e dar os bons dias a outros clientes na rua.
Sílvia Peralta, professora de História e Cultura das Artes na Escola Secundária do Infante, em Vila Nova de Gaia, foi numa corrida ao seu cabeleireiro da Rua de Santa Catarina.
De fugida, porque dá aulas à distância à tarde, decidiu comprar ao postigo dois rissóis de vitela na confeitaria Império, de Santa Catarina.
O desânimo nas vendas ao postigo é, contudo, o que mais salta da boca de muitos dos comerciantes do Porto.
Na loja Móveis Gaspar, na Rua de Santa Catarina, Manuel Gaspar critica as opções governamentais em abrir “apenas ao postigo”.
“Só serve para arejar a loja e limpar o bolor das paredes”, atira, enquanto olha para os tetos da loja.
“Isto não está a correr nada bem. Um cliente queria comprar um colchão, mas como não pode experimentar foi embora”, conta, confessando que “por este andar o Governo vai deitar tudo abaixo”.
É que as pessoas para comprarem “gostam de entrar, ver e tocar”, explica, enquanto atende um cliente que procura um estrado de cama com 1,90 metros por 1,40.
A venda ao postigo está autorizada pelo Governo desde segunda-feira, bem como reabriram creches, ensino pré-escolar, escolas do primeiro ciclo, cabeleireiros, manicures e estabelecimentos similares, livrarias, comércio automóvel, imediação imobiliária, bibliotecas e arquivos.