Em artigos anteriores temos salientado o “poder da imagem”, na linha da expressão popular “uma imagem vale mais do que mil palavras”, quase que expressando as histórias que podem ser sintetizadas pelas imagens.
O nome escolhido para o museu com as obras de Paula Rego, “Casa das Histórias”, em Cascais, ilustra isso mesmo.
No entanto, parece-nos que, para além da pintura, a fotografia também tem um potencial enorme, pelo realismo que comporta e pelas histórias que permite sintetizar. A verdadeira “alma” da fotografia está em interpretar a realidade e não em copiá-la. O resultado da arte fotográfica não está na máquina ou tecnologia utilizada, mas sim no olhar do fotógrafo que, de forma subjetiva, perceciona e captura um determinado momento, tornando-o eterno.
No âmbito da fotografia, e em particular no fotojornalismo, a World Press Photo é, desde 1955, considerada a exposição e o concurso anual mais importante do mundo. Várias categorias aos prémios que distinguem os fotógrafos profissionais pelas melhores imagens que contribuíram, no ano anterior, para o jornalismo visual. Em 2019, na sua 62ª edição, o concurso conta com uma categoria nova que vai distinguir “As Histórias do Ano” em cada categoria, procurando homenagear o fotógrafo que melhor expresse a sua criatividade visual na história que produza sobre um acontecimento ou assunto de grande importância jornalística em 2018. As imagens a concurso foram selecionadas por um júri independente que avaliou 78.801 imagens captadas pelos 4.738 fotógrafos que concorreram ao prémio. Foram distinguidos 140 imagens das várias categorias a concurso, captadas por 43 fotógrafos, oriundos de 25 países, as quais constituem a exposição itinerante que percorre várias cidades do mundo.
O fotógrafo português Mário Cruz conseguiu o 3º lugar na categoria “ambiente”, com o trabalho “Living Among What’s Left Behind” (“Viver entre o que foi deixado para trás”), uma imagem do rio Pasig em Manila, nas Filipinas, chamando a atenção para as comunidades de Manila que vivem sem saneamento, junto ao rio Pasig, rodeadas de lixo.
A imagem mostra uma criança que recolhe materiais recicláveis para obter algum tipo de rendimento que lhe permita ajudar a família, deitada num colchão rodeado do lixo que flutua no rio. O rio foi declarado “biologicamente morto” nos anos 90, na sequência de uma combinação de poluição industrial e lixo doméstico das comunidades que o rodeiam, sem infraestruturas sanitárias adequadas. Mário Cruz comentou que “não é um cenário projetado para um futuro negro, mas sim a atualidade, o que se está a passar neste preciso momento (…) É um exemplo extremo, mas real (…) É realmente dramático olhar para um rio e não ver água, apenas lixo”.
Com apenas 32 anos, Mário Cruz foi já distinguido com vários prémios, incluindo o primeiro lugar do World Press Photo, na categoria “Temas Contemporâneos”, em 2016, com o trabalho “Talibés – Modern Day Slaves” (“Talibés – Escravos Modernos”), sobre a a escravatura de crianças Talibés, no Senegal, onde mais de 50.000 crianças são escravizadas, torturadas e abusadas. Mário Cruz sintetizou esta situação na imagem do jovem Abdoulaye, de 15 anos, num quarto com grades numa daara, uma escola corânica no Senegal.
Havia tomado conhecimento das falsas escolas corânicas em 2009, durante uma reportagem na Guiné-Bissau, onde ouviu falar de casos de crianças que estavam a ser levadas para o Senegal para serem escravizadas por líderes religiosos. Fez uma pesquisa durante seis meses e tirou uma licença sem vencimento para, durante cerca de dois meses, investigar o que estava a acontecer a estas crianças, no Senegal e na Guiné-Bissau.
Contou esta história através das fotografias que tirou, tendo sido distribuídos panfletos com estas imagens, e conseguiu que centenas de crianças talibés tenham sido resgatadas, evitando a vida de escravatura que lhes estava perspetivada.
Esta história foi entretanto publicada em livro, com o mesmo título do foto premiada, em edição quadrilingue (português, inglês, francês e árabe).
Mário Cruz espera que o prémio agora conseguido em 2019 também consiga ter impacto prático, contribuindo para uma maior “visibilidade” sobre a problemática ambiental.
Esperemos que sim!… Conforme já concluímos num artigo anterior, as novas gerações vão viver no mundo que ajudarmos a criar e, por muitas diferenças que haja entre as pessoas, as culturas e os países, o planeta terra é a Casa de todos nós, sendo fundamental ajudar a preservá-lo!
(CM)
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de agosto)