A história das três grandes civilizações do Mundo Antigo, egípcia, grega e romana, acompanhou a evolução do pão, alimento com grande importância no decorrer destas civilizações. A civilização egípcia é considerada como a primeira civilização que confecionou pão; os Gregos não tinham grandes condições naturais para o cultivo de cereais e revestiram o pão de um valor emocional e deificaram-no; os Romanos entenderam o seu valor e aproveitaram- no politicamente (Panem et circenses). A política do pão e circo é uma expressão muito conhecida que remete para o Império Romano. Na época, o imperador utilizava comida e entretenimento para apaziguar a população. Muitos historiadores consideraram esta atitude como uma política de manipulação de massas.
O pão tem sido durante milénios uma importante base alimentar para ricos e pobres, tanto no meio rural como urbano, se bem que em algumas épocas, tenha assumido uma maior centralidade devido à dificuldade em aceder a outro tipo de alimentos.
Num projecto que criei em 2015, intitulado Pão nosso de cada poema, fiz um levantamento de textos alusivos ao Pão e à sua simbologia e encontrei poemas da autoria de Fernando Pessoa, Miguel Torga, Guerra Junqueiro, Vitorino Nemésio, José Saramago, José Carlos Ary dos Santos, Herberto Helder, entre outros.
Foi nessa altura que amassei pão pela primeira vez, e cozi no forno antigo, seguindo todos os preceitos que aprendi com as gentes da serra algarvia. Inclusive a oração aquando da colocação do pão no forno: “Deus te acrescente e que dê para muita gente!”
Liturgia popular do pão
Pode dizer-se que existe uma liturgia popular do pão. Amassar e cozer o pão é quase um ritual religioso. Algumas pessoas mais antigas marcam o pão com cinco toques do dedo indicador direito simbolizando as cinco chagas de Cristo. A maioria das pessoas que amassa e coze pão recita orações junto do mesmo. Quase sempre fazem o sinal da cruz com a pá sobre o pão ou à porta do forno dizendo uma breve oração, que varia de acordo com a região do país.
No Alentejo é usada, em algumas localidades, esta breve frase em jeito de oração:
“Deus te ponha a virtude,
que eu fiz o que pude”.
Ao amassar há quem diga, mais a Norte, esta outra oração:
“S. Vicente te acrescente,
S. João te faça pão,
E Deus te cubra
com a sua bênção”
(No fim reza-se um Pai Nosso e uma Avé Maria)
E ainda: “Deus te finte,
Deus te acrescente,
E as almas do Céu para sempre”.
Pão enquanto símbolo de partilha
Na simbologia cristã o Pão está presente na Oração do Pai Nosso, sendo referência ao pão eucarístico e à sua partilha. Por sua vez, na tradição judaica o matzá é o Pão da Páscoa com a pureza do pão ázimo, sem fermento. Para os judeus a Páscoa é denominada Pessah. Ou seja, a Pessah dos judeus e a Páscoa dos cristãos são celebrações intimamente relacionadas. Ambas as festividades se celebram em datas quase coincidentes, embora naturalmente encaradas sob pontos de vista históricos diferentes. Os judeus lembram a libertação da escravidão do povo hebreu no Egipto (cerca de 1280 a. C.). Os cristãos recordam a última Ceia, a partilha do Pão, a Morte e a Ressurreição de Cristo.
O pão desde há muito que é um alimento com forte simbolismo. Alimento não só para o corpo, mas também para o espírito: “Nem só de pão vive o homem” como refere Jesus. O pão é um elemento sagrado, de partilha e de fraternidade.
Que sejamos fermento numa sociedade com mais partilha de bens materiais e espirituais, ajudando a despertar a dimensão convivial e espiritual e, se possível, com um toque biológico e integral!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de fevereiro)