Liderar a Câmara de Alcoutim é equivalente a ter de gerir um concelho que na região e no país está entre os mais marcados pela interioridade e por alguns dos seus efeitos mais nefastos. Fraca natalidade e envelhecimento acentuado da população, debilidade de investimento privado e da economia, e isolamento em áreas fulcrais como a saúde, são apenas alguns dos exemplos de um combate diário que se impõe a quem está no seu primeiro mandato. Nesta luta de David e Golias, Osvaldo Gonçalves fez-se e faz-se ao trabalho em prol das populações e a pouco mais de um ano de eleições não se deixa intimidar e manifesta ao POSTAL a disponibilidade para mais um mandato à frente dos destinos de Alcoutim.
POSTAL (P) – A cerca de ano e meio do fim do primeiro mandato, que análise faz face aos compromissos eleitorais assumidos?
Osvaldo Gonçalves (OG) – Uma análise responsável e realista do trabalho já desenvolvido permite-me concluir que estamos a cumprir os objectivos assumidos com os alcoutenejos, implementando um plano de acção que permite, simultaneamente, melhorar as condições de vida da população e desenvolver o território.
P – Qual foi a decisão mais complicada ou que mais lhe custou tomar até agora? OG – A decisão que mais me custou tomar foi a de, por razões de incumprimento procedimental alheias à vontade do actual executivo, ter de abdicar da continuidade de colaboração de sete funcionários, contra aquela que seria a nossa intenção.
As questões orçamentais e do endividamento
P – Com um orçamento na casa dos 7,7 milhões de euros (ME) para este ano e uma reconhecida situação financeira estrutural saudável, mas onde as despesas correntes representam cerca de 5,8 ME, a margem para o investimento por parte da autarquia é satisfatória?
OG – Para um concelho do interior, que ainda tem uma significativa margem de crescimento, e para um executivo apostado em dar o melhor à população do concelho, quanto maior for a “fatia” orçamental para investimento melhor. No entanto, sendo Alcoutim um município com poucas receitas próprias, o orçamento está fortemente condicionado pelas transferências do Estado e dos fundos europeus. Deste modo, a despesa que inscrevemos para investimento é a possível, em função dos condicionalismos e, ainda assim, tem tido um incremento muito forte que advém da poupança gerada em despesas correntes, e que nos últimos exercícios permitiu aumentar o investimento em cerca de dois ME.
Estes dados ilustram bem a dificuldade que existe em trabalhar com orçamentos baixos em investimento, mas também mostram que essas mesmas dificuldades podem ser, em certa medida, minimizadas através de um rigoroso e exigente exercício de gestão.
P – A margem de endividamento da autarquia é em Alcoutim significativa. Faz sentido aumentar a dívida para dar resposta a necessidades de investimento público? Em que medida e face a que projectos?
OG – Considero que essa margem é um activo importante da nossa carteira de recursos tangíveis e que deverá ser usada sempre que o interesse público o exija, nomeadamente para fazer face a investimentos estruturantes para o concelho, que de outra forma não se consigam obter através de recursos próprios ou de financiamento de fundos europeus. Projectos que criam emprego e ampliam a nossa capacidade de acolhimento de investimento, ou seja, são aqueles que contribuem para atrair e fixar população.
Os investimentos
P – Na área dos investimentos em obras públicas e equipamentos, que medida tomada destacaria neste primeiro mandato?
OG – A construção do Lar de Martim Longo, que custou à autarquia o montante de 1,3 ME, é a obra que marca este mandato, pois para além de cumprir um sonho antigo da população local, satisfaz uma necessidade existente ao nível da oferta deste tipo de serviço, sobretudo para a franja populacional mais desfavorecida. Paralelamente, o funcionamento deste equipamento irá proporcionar a criação de cerca de 20 postos de trabalho, o que faz a diferença num território como o nosso.
P – Considera que neste capítulo a ligação entre o IC 27 e a vila é uma prioridade?
OG – O IC 27 é uma obra estruturante que mudou radicalmente o modo de vida em Alcoutim, numa lógica de acesso rápido, seguro e mais económico, em alternativa ao penoso percurso pela EN 122. No entanto, em meu entender, é essencial e prioritário a conclusão do IC 27 a Norte, o que nos aproximaria muito mais das zonas urbanas, nomeadamente, através do acesso à A2.
P – Que outros investimentos estruturais considera prioritários nesta área?
OG – Alcoutim é um concelho que tem uma rede viária bem estruturada, no entanto, é importante a conclusão de pequenos troços de ligação entre várias áreas do concelho, e que ficando excluídos das prioridades de investimento do Portugal 2020, tornam mais difícil a sua execução.
P – A redução do âmbito da REN no concelho é determinante para a atractividade em termos de investimento privado. Como está esta situação na prática?
OG – Infelizmente, a decisão tomada pela CNR (Comissão Nacional de REN) não teve a consequente e definitiva publicação por parte da CCDR e por imposição do IGAMAOT, foi revogado o despacho, estando neste momento numa fase de reavaliação.
A economia local
P – A aposta de Alcoutim para o desenvolvimento tem uma das suas vertentes no Guadiana como eixo de desenvolvimento. Que medidas têm sido tomadas para reforçar este recurso do concelho como motor da economia, nomeadamente do Turismo?
OG – O Guadiana é uma porta de entrada para Alcoutim e apesar dos condicionalismos impostos pelos instrumentos de ordenamento do território, conseguimos, no ano passado, uma vitória fruto de décadas de trabalho, que culminou com a sinalização do canal de navegação do rio e com algumas obras de limpeza de fundo, o que garante, na actualidade, a navegação, em segurança, de um maior número de embarcações. No entanto, e de forma a optimizar as potencialidades que o Guadiana nos oferece, é premente a conclusão das obras até ao Pomarão.
P – A estalagem de Alcoutim estará reaberta em breve. Em que moldes e que significado terá a reabertura desta infra-estrutura?
OG – O processo da antiga estalagem de Alcoutim culminou, finalmente, com o seu arrendamento, com opção de compra, a uma entidade com experiência na área. Este imóvel, contruído há cerca de 30 anos, foi concebido com o objectivo de dar a Alcoutim uma infra-estrutura de apoio ao turismo, sendo esta uma área em que estamos empenhados, e para a qual se perspectiva uma boa margem de crescimento no concelho. Contudo, dado o volume das obras que são necessárias para a sua abertura nas melhores condições, a mesma ocorrerá previsivelmente no início de 2017, no entanto, todos gostaríamos que acontecesse o mais brevemente possível.
P – Como está a decorrer a ocupação do parque industrial de Alcoutim e em que medida é este espaço um motor para a economia local?
OG – O Parque Industrial de Alcoutim acolheu, nos últimos meses, um conjunto interessante de novos investidores, que foram seleccionados num processo de candidatura à compra de lotes, os quais já estão atribuídos. No entanto, são investimentos que aguardam pela abertura de oportunidades de financiamento como forma de apoio à viabilização da sua implementação.
As condições de acesso a estes lotes são bastante atractivas no que concerne ao valor de aquisição (1€/m2), contudo, existe um conjunto de factores externos ao município que condiciona a instalação, desde logo, a falta, durante décadas, de uma política do Governo para a instalação de indústria em zonas desfavorecidas, agravada pelo atraso na definição e disponibilização das linhas de apoio provenientes do Portugal 2020. A ocupação e dinamização deste parque é, para um território como o nosso, muito importante para a criação de riqueza, e é, sem dúvida, uma das nossas grandes prioridades.
P – Que outras medida tem a autarquia tomado em prol do desenvolvimento económico?
OG – O desenvolvimento económico de um concelho depende essencialmente da capacidade do envolvimento dos actores locais, nomeadamente públicos e privados.
Criar dependência do sector público é castrar a iniciativa privada, porém, o contributo do sector público pode e deve ser uma presença constante na promoção do desenvolvimento da economia, sobretudo se essa economia é débil e inconsistente, como acontece nas regiões do interior onde Alcoutim não é excepção.
Neste âmbito, são exemplos, a dinamização do parque industrial, o aumento das condições de empregabilidade criadas através da construção do Lar de Martim Longo, assim como do apoio a diversas entidades geradoras de emprego, a existência de programas que promovem a aquisição de bens e serviços no concelho, a relação de proximidade com o tecido empresarial, de forma a fixar/ optimizar investimentos no concelho, entre outras iniciativas que iremos implementar futuramente.
As políticas sociais
P – O esforço da autarquia em políticas sociais e de saúde é notório, que encargos representam no orçamento da autarquia?
OG – Os encargos são significativos e representam uma fatia do orçamento na ordem dos 15 %.
P – A saúde é uma preocupação constante da câmara, neste quadro a oferta é suficiente? O que falta implementar?
OG – Claramente, a oferta não é suficiente. O direito à saúde universal e, tendencialmente, gratuita consagrado na Constituição é demasiadas vezes posto em causa. Como mero exemplo, refiro o encerramento da Extensão de Saúde de Vaqueiros em 2013, o que faz com que a população tenha que ser atendida em Martim Longo e por um único médico de família.
É preciso ter sensibilidade para perceber que cuidados de saúde dignos são cuidados de saúde de proximidade e de qualidade, e não a mera atribuição administrativa de um doente a um médico. De forma a colmatar esta problemática, entre outras iniciativas que leva a cabo na área da saúde, a autarquia incrementou os serviços disponibilizados pela unidade móvel, com os serviços de um médico e de um enfermeiro para dar apoio à população.
P – A terceira idade, dado o envelhecimento da população, está devidamente acompanhada no concelho? Que medida ainda gostaria de ver implementada no terreno?
OG – Embora nós tenhamos um conjunto de acções no terreno, que cuidam e tratam dos nossos idosos, o que sinto que lhes faz mais falta é por vezes a companhia, alguém com quem possam conversar durante alguns minutos diários. Gostava de ver implementada uma iniciativa que possibilitasse colmatar esta necessidade de forma concertada com o Gabinete de Acção Social e integrada no conjunto de medidas já existentes, no âmbito do apoio ao envelhecimento saudável e activo.
P – Como descreveria o apoio à natalidade num concelho com tão baixa taxa de natalidade? Crê que estão tomadas as medidas necessárias?
OG – O Programa de Apoio à Natalidade é uma medida relevante, mas que ganha especial importância quando integrada num conjunto de outras medidas que são atribuídas aos casais jovens, de forma a melhorar a sua qualidade de vida.
Apesar de, no último ano, termos tido um aumento da taxa de natalidade na ordem dos 160%, ainda muito há para fazer, e com toda a certeza o aumento do número de jovens e a alteração do desenho da nossa pirâmide geracional continuará a ser uma prioridade nas próximas décadas.
O futuro
P – Um projecto autárquico é sempre um projecto de longo prazo. É candidato às autárquicas de 2017 para a Câmara de Alcoutim?
OG – De facto um projecto autárquico não se cumpre em quatro anos, atendendo ao exigente exercício da missão e ao nível de compromisso que assumimos com as pessoas. Seria até irresponsável não me disponibilizar para dar continuidade a esse mesmo trabalho, que tem uma maturidade de longo prazo e, nesse sentido, estarei disponível para renovar esse compromisso.
P – Que medida gostaria de ver adoptada e que depende da continuidade no cargo?
OG – Não existe uma medida, existe um conjunto de objectivos de médio e longo prazo cuja concretização gostaria de ver cumprida. O mais importante é sem dúvida a inversão do processo de despovoamento.
P – Quais os principais desafios de futuro do concelho?
OG – Alcoutim tem como desafio de futuro a procura de um caminho, de uma marca de afirmação diferenciadora, que lhe permita uma sustentabilidade económica e financeira, e que assenta em dois aspectos fundamentais. Por um lado, o aproveitamento dos recursos naturais, e a adaptação desses recursos a uma procura intensiva do mercado externo, e nesse contexto admitimos que a área das energias renováveis pode ser uma alavanca importante, sobretudo se for adaptada a alterações legislativas que promovam uma relação directa de benefícios financeiros. E, por outro lado, a capacidade de exploração dos nossos recursos endógenos, num modelo sustentável, onde possamos criar uma cadeia de valor que permita uma rendibilidade compatível com a fixação de famílias.