Melhor livro do ano pelo New York Times e a National Public Radio. Vencedor do LA Times Book Prize, Stonewall Book Award e Andrew Carnegie Medal. Finalista do Pulitzer Prize e do National Book Award.
Já referi antes que por vezes me incomoda quando os livros são demasiado etiquetados, todavia este romance, publicado pela ASA, e que está a ser adaptado para televisão, é para mim um dos livros do ano e aborda um tema que eu estranhava não ter sido ainda devidamente tratado na ficção literária. Temos o filme Filadélfia, a série Um Coração Normal, podemos até lembrar-nos do escritor que se suicida em As Horas, de Michael Cunningham, mas não havia nenhum romance, ainda mais de grande fôlego, que abordasse a epidemia da SIDA nos anos 80 nos Estados Unidos da América.
Em Novembro de 1985, um grupo de amigos fazem uma festa em Chicago que é, na verdade, um funeral, enquanto a “verdadeira” missa fúnebre decorre a quilómetros dali, assistida apenas pela família. Nico, um jovem belo, promissor, querido por todos, morreu. A sua irmã Fiona vira as costas à família, da mesma forma que os seus pais, que agora o choram, expulsaram em tempos Nico de casa quando souberam da sua homossexualidade. Nos meses seguintes, decorre uma espécie de jogo, quase como num mistério policial, em que nunca se sabe quem vai morrer a seguir, enquanto o grupo de amigos de Yale Tishman vai sendo dizimado. Yale Tishman, responsável por angariar arte e fundos numa galeria, vê a sua carreira em ascensão, ao mesmo tempo que a sua vida amorosa se desmorona, quando se depara com a oportunidade de uma vida, pois Nora, a tia-avô de Nico, pede-lhe que veja uns quadros do seu tempo de jovem, na Paris de 1912, onde conheceu e posou para artistas como Modigliani – e outros que a guerra lançou no esquecimento de quem não teve sequer tempo para começar a brilhar.
Em 2015, 30 anos mais tarde, Fiona aterra em Paris e fica hospedada na casa de Richard Campo, um fotógrafo que ficou célebre por ter documentado a epidemia de Chicago, da mesma forma que foi um dos poucos que sobreviveu. Fiona procura a sua filha, que depois de ingressar na universidade acabou por cortar com tudo, inclusive com a mãe, e entrou numa seita, com o seu namorado Kurt.
Ao longo de 570 páginas que se lêem de um fôlego, o leitor tenta perceber como é que estes dois planos, tão complexos por si só e bem narrados, afinal se intersectam, uma vez que parecem histórias tão díspares, apesar de se perceber que a cola que os une é Fiona.
Será que Yale será um dos poucos sobreviventes? Nora identifica-se tão fortemente com Yale por este lhe lembrar o sobrinho-neto Nico? Ou porque também ela perdeu todos os seus ilustres amigos e amantes artistas nos anos da Primeira Guerra Mundial? Será que Fiona tem culpa do desaparecimento da filha, talvez pela sua inadequação em amar, devido ao stress pós-traumático de uma época que deixou muito poucos sobreviventes? Porque é que Reagan faz uma declaração à nação a propósito de um vai-vém que explode após o lançamento mas se silencia perante a crise da SIDA?
«Como podia explicar-lhes que aquela cidade era um cemitério? Que todos os dias passavam por ruas onde tivera lugar um holocausto, um homicídio em massa por negligência e antipatia, como podia perguntar-lhes se quando passavam por uma bolsa de ar frio não percebiam que era um fantasma, um rapaz que o mundo cuspira?» (p. 256)
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de novembro)