Ordenamento do território e a sua expressão gráfica
Esta matéria pode ser de difícil abordagem para o comum cidadão, mas uma das questões mais importante no Ordenamento do Território, prende-se com a leitura gráfica do Plano. Nos PDMs de antiga geração, fica-se a perceber onde está o perímetro urbano e a categoria do solo, pela mancha que cabe em cada espaço ou lugar numa planta, normalmente à escala 1/25.000.
Acontece que, por vezes, não se percebe, de forma fácil, que tipo de classe de espaço estamos e muito menos a localização (se é a correta), uma vez que as referências principais dos lugares estão mal definidas ou omissas em peças desenhadas ainda feitas à mão.
Daí, a maior parte das autarquias do Algarve, e nomeadamente a CCDR, ter vetorizado as referidas peças feitas pelos técnicos nos tempos dos “grisés” e das canetas Rotring, passando para sistemas SIG. As antigas peças desenhadas, plantas em papel físico, aprovadas pelo Governo são preciosas porque são aquelas que têm força legal e correspondem à realidade do plano.
Porém, as traduções para os sistemas SIG dão-nos uma ferramenta excecional para saber imediatamente e de forma quase perfeita a localização de um terreno na carta de Ordenamento do PDM, na REN ou na RAN. Porém, não são poucos os casos em que estas traduções correspondem também a uma interpretação de quem fez a passagem do scalas para o computador, dando uma leitura pessoal ao traço. Nestas situações, em cima das linhas, e com dúvidas, torna-se difícil a decisão para um executivo, podendo incorrer em erros, logo, será mais correto ter alguma flexibilidade de leitura face à escala em que foi traçado o plano, ou seja, à escala 1/25.000.
Este pormenor de rigor de leitura e de exigência é importante para que, sendo público, seja possível qualquer um fazer o seu juízo sobre o que é possível ou não em termos urbanísticos e, por outro lado, evitar comportamentos excessivos nas decisões sobre estes mesmos Planos. No nosso sistema democrático, a garantia dos cidadãos é também dada pela publicidade, discussão pública, facilidade de consulta ou a publicação dos instrumentos de gestão territorial ou setoriais, como o PMDFCI, consubstanciando uma praxis inquestionável, mas por vezes ignorada.
Desenho e escalas
O desenho, em mancha ou em traço, é uma técnica utilizada desde tempos imemoriais pelo Homem para traduzir uma intencionalidade, neste caso, sobre o território. Este ato traduz também uma reflexão e um posicionamento crítico e decisório. Assim, esta técnica podendo ser traduzida posteriormente para os computadores, é uma forma de expressão de saber de um especialista, o qual pretende traduzir uma ideia estruturante e condutora sobre um espaço.
Acontece que os planos estão cada vez mais conquistados pelas aplicações de software, extremamente sofisticados, que evitam naturalmente o erro humano, mas desvalorizam, por outro lado, fatores sensíveis ao homem, particularidades do próprio território.
O resultado mais desastroso foi, por exemplo, a aplicação do software referente à vulnerabilidade de risco de incêndios, o qual obriga a ter manchas em forma de pixel, com uma percentagem de 20% por cada grau (com manchas vermelhas e laranjas, em grande parte de cada município), o que gera as maiores injustiças, nas escalas em que se trabalha. O resultado automático de um software, o qual constrói linhas e manchas irreconhecíveis em termos físicos no território, afeta diretamente a vida dos particulares, proibindo todas as ampliações e construções novas.
O desenho é assim fundamental ao ato de planear e não deveríamos, como seres humanos, abdicar deste, mesmo que tivéssemos softwares auxiliares como bases de trabalho.
A escala é outro dos elementos que deverá ser recuperado. Com a informatização, os atuais PDMs em revisão são instrumentos complexos que permitem a identificação em planta de elementos em detalhe, aumentando ou diminuindo a sua visualização. Existe agora a tentação de resolver tudo à escala do PDM, ou seja, em vez de se trabalhar nas escalas dos aglomerados com planos de urbanização, passa-se a ter tudo incluído na planta do PDM. A verdade é que é possível realizar esse exercício, mas implica investimento de tempo e custo e perde-se a noção do fim mais estratégico que deverá ser um Plano à escala do município.
Acredito que a valorização do controlo de análise pelo Homem é ainda uma forma de fazer melhores planos e, não tanto, apenas com Planos resultantes de “rotinas informáticas”.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de dezembro)