A Câmara Municipal de Vila Real de Santo António vendeu um terreno, em Monte Gordo, que lhe foi doado, mas anos mais tarde voltou a registá-lo em seu nome. É como comer o bolo e querer continuar com ele. O caso, que envolve a autarquia e esteve na base da “Operação Triângulo”, levando à resignação de Conceição Cabrita sob suspeita de corrupção, conhece agora novos desenvolvimentos e vai levar três ex-presidentes a tribuna.
Desta vez, o imbróglio incide apenas numa parcela com uma área de 560 metros quadrados, cujo litígio remonta ao ano de 2001.
O caso vai levar a tribunal, como testemunhas, os antigos presidentes António Murta, Luís Gomes e a demissionária Conceição Cabrita, em audiência marcada para a próxima segunda-feira, 21 de junho, em Faro.
O lote em questão (assinalado no mapa) está incluído no terreno de mais de 5 mil metros quadrados, doado à câmara, para ali ser construído um espaço verde, tendo a autarquia resolvido aproveitá-lo para fins imobiliários, vendendo em 1964, uma parcela de 560 m2, a Arnaldo Pereira Bastos.
Este empresário venderia mais tarde esse lote a Aires da Rocha Aguilar, sem que este tenha feito a escritura correspondente, alegadamente, por se ter ausentado para o Brasil no período pós 25 de Abril.
Na falta de escritura da compra do terreno, os Aguilar registaram o lote em 2001, num processo de aquisição por usucapião, através de uma escritura de justificação notarial.
A Câmara de Vila Real de Santo António, com António Murta em presidente, impugnou a validade dessa escritura. Mas, sabendo que, embora conseguisse a anulação da escritura e do registo em nome dos Aguilar, não se tornava proprietária do lote, a câmara colocou outra ação em tribunal para anular a escritura da venda que tinha feito em 1964. A autarquia ganhou o primeiro processo, mas perdeu o segundo.
Neste contexto, os Aguilar avançaram com um outro processo judicial contra Arnaldo Pereira Bastos, entretanto falecido, para que este – através da sua viúva – reconhecesse que lhe tinha vendido o lote e que os reconhecia como proprietários, o que viria a acontecer. Perante estes factos, os Aguilar, perdendo o caso na 1ª instância, vieram a ganhar na Relação e, já em 2018, acabaram por registar o lote em seu nome.
Uma fonte próxima do processo disse ao POSTAL que “ao longo dos anos que dura esta novela, todos os presidentes da Câmara de Vila Real de Santo António reconheceram em privado que o lote era dos Aguilar, tendo inclusive, sido avançada uma proposta de permuta do lote em causa por outro terreno da autarquia de igual valor”.
“Essa proposta foi aceite, mas o presidente da autarquia deixou-a cair logo que a Câmara ganhou o processo de impugnação da escritura de justificação”, salientou.
Embora todo o terreno estivesse registado na Conservatória do Registo Predial, a Câmara “declarou o terreno, incluindo o lote de 560 m2, como omisso na matriz e no registo predial, inscrevendo-o e registando-o como prédio novo, embora fosse do conhecimento da autarquia ≠≠que o terreno não estava omisso e que incluía a parte que tinha vendido em 1964. Foi este prédio fictício que a Câmara vendeu aos arguidos na Operação Triângulo” – disse.
A mesma fonte adiantou ainda que, informada de que estava a vender um prédio que não pertencia na totalidade à Câmara, Conceição Cabrita prosseguiu com a venda e interpôs, em nome da autarquia, um recurso especial de revisão para anular o acórdão da Relação de Évora que tinha reconhecido os Aguilar como proprietários dos 560 m2, “invocando uma simulação de acordo entre os Aguilar e a viúva do Arnaldo Pereira Bastos”.
Apesar da Operação Triângulo, a Câmara não desistiu do recurso. É todo este “imbróglio” que vai subir a tribunal na próxima quinta-feira, com a presença dos três presidentes arrolados como testemunhas para esclarecer um caso que já dura há 20 anos.