A pandemia veio acentuar a falta de pessoal no turismo e este é um dos problemas mais graves que o sector enfrenta nesta fase de recuperação, prevendo recorrer agora à contratação massiva de imigrantes. O défice de mão de obra está a ser uma das questões mais debatidas no congresso da Associação da Hotelaria de Portugal, “O Turismo tem Futuro “, que decorre em Albufeira até 12 de novembro.
Raul Martins, presidente da AHP, já avançou o objetivo de contratar imigrantes de países da CPLP, ou mesmo filipinos, para suprir esta escassez no sector. Segundo um inquérito interno da associação, os hoteleiros precisam, no imediato, de preencher cerca de 15 mil postos de trabalho, sobretudo em cargos de recepção, serviço de mesa ou cozinha, mas também em outras áreas.
“O capital humano é para o nosso sector o desafio da década”, sublinhou Raul Martins, explicitando que “o nível de escolaridade dos portugueses melhorou, também há mais pessoas que emigraram e não temos gente suficiente para as necessidades do turismo. Temos de olhar para o exterior, como fez França ou Inglaterra”.
Face à necessidade de contratar imigrantes, com a falta de pessoal que se vive no turismo, “temos de pensar em criar condições para estas pessoas poderem vir e não ficarem a dormir na rua”, sublinhou Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo hoteleiro Vila Galé. “Temos de receber bem os emigrantes porque vamos precisar deles”, sublinhou.
Rebelo de Almeida realçou o risco de se assistir “à entrada de verdadeiros ‘cavalos de Troia’, e de repente a autenticidade do país perde-se, já se assiste em muitas zonas de França ou do Reino Unido”. Frisando ser defensor da solução de dar trabalho a imigrantes ou refugiados, o hoteleiro sustentou que “é preciso gerir esta situação com equilíbrio “.
“Temos de trazer mais pessoas a Portugal, mas também tornar o sector do turismo mais atrativo a nível de carreira”, notou ainda Luis Araújo, presidente do Turismo de Portugal.
A questão dos salários baixos já era uma condicionante no turismo antes da pandemia. “Em Portugal ganha-se pouco. O que devemos sobretudo fazer é criar condições de remunerar melhor quem merece”, sustentou o presidente da Vila Galé.
“Os salários já estão a aumentar, sobretudo com processos de transferência que estão a verificar-se de pessoal de uns hotéis para outros”, referiu Raul Martins, presidente da AHP. O presidente da associação lembrou que uma subida generalizada de salários levaria inevitavelmente a um aumento de preços nos hotéis. “E 40% do nosso mercado é interno. Suportaria que vendêssemos quartos muito mais caros?”, questionou.
“O turismo não tem futuro se não tiver pessoas”, lembrou Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP, frisando que “a adaptação aos novos tempos mexe profundamente com a forma como até aqui se fazia a contratação, é uma revolução. A situação já não é os trabalhadores a adaptarem-se às empresas, é as empresas a terem de se adaptar aos trabalhadores “.
“EMPREGADOS DE MESA NÃO PODEM SER SÓ CARREGADORES DE PRATOS”
Como recrutar? Que adaptações as empresas têm de fazer para captar e reter os trabalhadores pós-pandemia? Foram os temas de sinopse que o painel do congresso dedicado ao ‘capital humano’ se propôs abordar.
“A matéria-prima principal do nosso sector são as pessoas. Se somos tão bons e recebemos tantos prémios, porque não fazer uma subida de preços em linha com a qualidade do que oferecemos em termos de produto?”, destacou Marta Sotto-Mayor, formadora e consultora em hotelaria. “Haja a coragem de cobrar o que vale o produto das nossas organizações, sem medo de perder os clientes”.
Mas este objetivo implica uma viragem total na forma como os trabalhadores são encarados pelas empresas turísticas que os empregam. “Os decisores não podem ter empregados de mesa que são só carregadores de pratos, na verdade eles ajudam a vender a gastronomia ou os vinhos, e podem contribuir muito para o aumento da rentabilidade”, sustentou a formadora. “Todos pedimos turistas de qualidade, que pagam bem, e não poderão sentir essa qualidade com um mero carregador de pratos”.
Perante o atual problema de falta de mão-de-obra, e a fuga de trabalhadores para outros sectores que se acentuou com a pandemia, Marta Sotto-Mayor advertiu que de nada serve os hoteleiros “deitarem as mãos à cabeça”, e que “novos problemas não podem ser resolvidos com as velhas respostas”.
O caminho para “a retenção e capacitação de pessoas” no turismo passa também pela componente do “salário emocional “, ou seja, programa de benefícios, incluindo seguros de saúde ou mesmo inscrição em ginásios, adoptados ao perfil de cada trabalhador – até porque as funções de turismo são tradicionalmente mal pagas, mas exigentes a nível de horários, indicaram especialistas ouvidos neste painel.
“Vamos ter de investir muito dinheiro (na captação e formação de recursos humanos), mas tem de ser canalizado para as pessoas que efetivamente queremos reter, e cada vez mais há que dar valor à remuneração variável “, apontou Rita Almada, gestora no grupo Sonae de ‘people analytics’, ferramenta de apoio à gestão na tomada de decisões sobre recursos humanos.
“Falamos de escassez de mão-de-obra, num momento de pressão das empresas para geração de valor e que obriga a um controle de custos mais apertado, e na verdade estamos a viver uma guerra de captação de talentos “, concluiu.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL