Durante vários anos, comecei as minhas aulas de Lógica com esta piada que apresenta uma cena de tribunal e o juiz que pergunta ao ladrão:
– Como é que o senhor se atreve a declarar-se inocente, quando foi visto a roubar por quatro pessoas?
– Ó senhor doutor juiz – responde o ladrão -, eu posso arranjar milhares de pessoas que não viram.
Findo o eventual (sor)riso dos alunos, perguntava-lhes eu o que há de errado na resposta do presumível ladrão. Podemos não saber o quê, mas percebemos que há aí algo errado (e é nesse “erro” que está a piada). A resposta, encontramo-la na Lógica.
A Lógica analisa os mecanismos que nos fazem raciocinar de modo correto. Aristóteles (séc. IV a.C.) foi o fundador da Lógica. Este filósofo grego supunha que a maior parte dos nossos raciocínios têm a forma de um silogismo. Um silogismo é composto unicamente por duas premissas e uma conclusão. Um exemplo típico é este:
Todos os gordos são bonacheirões [primeira premissa]; o meu tio é gordo [segunda premissa]; logo, o meu tio é bonacheirão [conclusão].
Ou este (piadético):
Nada é melhor do que a felicidade eterna; um tomate é melhor do que nada; logo, um tomate é melhor do que a felicidade eterna.
São dois argumentos muito parecidos (um argumento apresenta razões – as premissas – para se acreditar numa conclusão). A grande diferença entre os dois é que o primeiro é válido e o piadético, não (quer o leitor dar-se ao trabalho de analisar porque é que não é?)
O silogismo é um argumento dedutivo típico (mas há outros argumentos dedutivos para além do silogismo). Um argumento é dedutivo quando é impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Um exemplo roubado a Graham Priest (a lembrar Sherlock Holmes):
Se o ladrão tivesse entrado pela janela, haveria pegadas lá fora; mas não há pegadas lá fora; logo, o ladrão não entrou pela janela.
Ouvem-se por aí muitas argumentações que estragam a lógica dedutiva. É o caso deste diálogo (adaptado de um velhinho programa de humor televisivo) que tem implícito um argumento dedutivo não válido (falacioso: os lógicos chamam falácia a um argumento que parece válido, mas não é):
– Papá, ouvi uma senhora dizer que era lésbica. O que queria ela dizer com lésbica?
– Meu filho, ela é lésbica porque gosta de mulheres.
– Ai é?! Então eu também sou lésbico!
Contrariamente aos argumentos dedutivos, os argumentos indutivos podem ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Uma boa indução com premissas verdadeiras torna apenas provável que a conclusão seja verdadeira. Exemplos clássicos de indução são as generalizações, no género desta: os Homens observados até agora têm o coração do lado esquerdo; logo, todos os seres humanos têm o coração do lado esquerdo. As previsões também são uma forma de indução, como esta: o sol tem invariavelmente “nascido”; logo, amanhã também “nascerá”.
É certo que a indução tem uma enorme importância na nossa vida quotidiana. Contudo, nunca se exclui a possibilidade de a conclusão ser falsa. Bertrand Russell (1872-1970) ilustra isso com a estória (a que acho piada) do peru indutivista.
Este peru reparou que era alimentado às 9h da manhã à segunda-feira, tal como à terça, à quarta, à quinta, à sexta e até nos finais de semana. E observou ainda que isso acontecia ao longo de semanas, independentemente de fazer sol ou chover… Assim acontecera, ser alimentado às 9h00 da manhã, todos os 364 dias anteriores. E concluiu, com base nas suas observações, que seria alimentado todos os dias às 9h00 da manhã. Um dia, às 9h, o dono chegou… e abateu o pobre do peru: era véspera de Natal.
O detetive Sherlock Holmes é um mestre em tirar conclusões lógicas. Usando métodos dedutivos, diz-se/escreve-se por aí. Ou indutivos, garantem outros. Diga o leitor para que lado se inclina, depois de ler esta história:
Sherlock Holmes e Watson estão a fazer uma viagem de campismo. A meio da noite, Holmes acorda e dá uma cotovelada ao doutor Watson.
– Watson – diz ele – olhe para o céu e diga-me o que vê.
– Vejo milhões de estrelas, Holmes – responde Watson.
– E que conclui a partir daí, Watson?
Watson pensa durante alguns instantes.
– Bem – diz -, astronomicamente, concluo que existem milhões de galáxias e, potencialmente, biliões de planetas. Astrologicamente, observo que Saturno está em Leão. Horariamente, deduzo que serão, aproximadamente, três e um quarto. Meteorologicamente, suspeito que amanhã teremos um dia lindo. Teologicamente, vejo que Deus é todo-poderoso e que somos pequenos e insignificantes. Hum, que é que você conclui, Holmes?
– Watson, seu idiota! Alguém nos roubou a tenda!
Esta última gracinha, rapinei-a de um livro interessante, onde os problemas e as teorias filosóficos são apresentados através do humor: Platão e um ornitorrinco entram num bar… Com o subtítulo Filosofia com humor. A história, como facilmente se adivinha, está no capítulo dedicado à Lógica. Aconselhável.
Termino com outro grupo de argumentos indutivos: os argumentos por analogia. O argumento por analogia funciona por comparação: observamos que o objeto A é semelhante ao objeto B nalguns aspetos; observando ainda que A tem outros aspetos, concluímos que B provavelmente também os terá (mesmo que os não observemos).
Um dos mais famosos argumentos por analogia é o argumento do desígnio. É uma tentativa de provar a existência de Deus, assim:
Observamos que o Universo é semelhante em alguns aspetos a algumas criações humanas, como um relógio: ambos são máquinas complexas. Sabemos que o relógio foi feito por um criador inteligente, o relojoeiro. Logo, o Universo (que é muito mais complexo que um relógio) também foi obra de um criador (muito mais inteligente e poderoso que um relojoeiro).
O argumento do desígnio tem dado origem a várias piadas. Como esta, também extraída do tal livro da Filosofia com humor:
Três estudantes de engenharia estão a debater que tipo de Deus terá concebido o corpo humano. Diz o primeiro:
– Deus deve ser um engenheiro mecânico. Reparem em todas as articulações.
– Eu acho que Deus deve ser um engenheiro eletrotécnico. O sistema nervoso tem milhares de ligações elétricas — defende o segundo.
– Na verdade, Deus é um engenheiro civil. Quem mais passaria um tubo de desperdícios tóxicos através de uma área recreativa? — diz o terceiro.
[Este texto está também publicado AQUI]