O livro intitula-se “Amélia de Orleães, a rainha mal-amada”, por Margarida Durães, Temas e Debates, 2019. Sendo um facto que há muita literatura sobre a última Rainha de Portugal, a pesquisa conduzida por Margarida Durães permite um olhar remoçado sobre o pensamento e a ação da mulher de D. Carlos em momentos cruciais, designadamente as suas reflexões sobre o desabar da Monarquia Portuguesa, isto devido à documentação que a autora compulsou nos Arquivos Nacionais de França, onde teve acesso a parte do espólio da rainha, que ainda não tinha sido tratado pela historiografia portuguesa.
Mas a autora deu-se também ao rigor de procurar toda a documentação disponível em museus e arquivos portugueses, consultou inúmera correspondência de Amélia de Orleães com personalidades do tempo; dedicou atenção à importante literatura francesa que lhe foi dedicada, ajudando tal investigação a consolidar o perfil da rainha na filantropia, na assistência materno-infantil, ao serviço da Saúde Pública, na intervenção política, entre outros. É uma investigação que seguramente se tornará um referencial para futuros trabalhos.
Nasceu no exílio, morreu no exílio, viveu 86 anos, foi uma viajante invulgar, educada com severidade, era a primogénita de uma família real. Viveu anos de idílio com o futuro Rei de Portugal, recebeu dele cartas arrebatadas, provas inexcedíveis de carinho e admiração. Chegou a Portugal com um dote milionário, logo aí começaram as intrigas e calúnias que a acompanharam durante todo o reinado. Viu partir o marido e os filhos, desapareceram-lhe muitos membros da família que ela tanto apreciava. Em 5 de outubro começa a sua romagem no exílio, vai verificar que os monárquicos portugueses a excluíam de todo o processo que eventualmente conduzisse ao regresso da monarquia, nunca escondeu tal mágoa, considerava esta exclusão uma completa injustiça, servira Portugal com desvelo. Granjeou grandes inimizades, caso de João Franco ou de Tomás de Melo Breyner, o médico e amigo privado do marido. Foi ousada para o seu tempo, trazia preocupações sociais para combater a doença, a pobreza, os tugúrios, foi contestada, recebeu críticas de muitos quadrantes.
Amélia de Orleães chegou a Portugal, foi amplamente ovacionada, conquistou a estima de muita gente. A autora dedica-lhe um capítulo enquanto mãe educadora, passou para os dois filhos a preocupação de os preparar para os misteres da Casa Real, designadamente com a preparação do príncipe real. Cedo se assumiu na assistência, criou dispensários, interessou-se a fundo pela Saúde Pública, investiu claramente no combate às epidemias, percorreu o país ao lado do marido ou sozinha. E vieram os dramas, a gradual desafeição pelo rei, a quem também criticava as poucas preocupações pelos deveres políticos. A rainha era conhecedora da degradação da situação política, o rotativismo afundara-se no descrédito, desde o Ultimato que crescia a notoriedade republicana, dos anarquistas, da Maçonaria. A ditadura de João Franco precipitou a implosão dos ideais monárquicos, abriu espaço à conjura e à eliminação física da família real. A Rainha D.ª Amélia irá ter um papel preponderante ao lado de D. Manuel, Margarida Durães mostra claramente o relacionamento entre mãe e filho. Com a investigação que fez nos Arquivos Nacionais de França, a correspondência da rainha revela que esta acreditava convictamente que houvera uma profunda traição entre os monárquicos. O Marquês de Lavradio dirá algumas décadas depois da queda da monarquia que esta caiu por culpa dos monárquicos e se suicidara no dia 3 de outubro de 1910. É de primordial importância ler a documentação que a autora revela.
Temos seguidamente o exílio inglês, é neste solo que irá perceber que os monárquicos portugueses já não contam com ela, atribuem-lhe culpas do insucesso do reinado de D. Manuel. Segue-se o processo negocial que levou ao casamento de D. Manuel II com Augusta Vitória Hohenzollern, temos o rol de tentativas de instauração da monarquia, tudo sem sucesso; e depois a aproximação entre os constitucionalistas e os miguelistas, de que ela desconfiava. Amélia de Orleães viverá duas guerras, foi enfermeira, assistiu ao fim de vários impérios e tomou a decisão de ir viver em França, viajava incessantemente. No fim da II Guerra Mundial, Salazar preparou-lhe uma visita a Portugal, visita emocionante a alguns lugares que lhe eram profundamente caros.
Confesso que não entendo a completa omissão da correspondência trocada entre Salazar e a rainha, de uma enorme importância, a monarca exilada possuía propriedades em Portugal, o Estado Novo curara de fazer cumprir as disposições testamentárias de D. Manuel II criando a Fundação da Casa de Bragança, Salazar apelava à rainha para dotar a família de D. Duarte Nuno de meios e réditos, na medida em que o pretendente ao trono português vivia na maior das frugalidades. A rainha aquiesceu. Fernando Amaro Monteiro em “Salazar e a Rainha” ilustra perfeitamente a situação.
Amélia de Orleães falece em casa, perto de Versailles, em 25 de outubro de 1951, o Estado Novo corresponde ao desejo de ser enterrada em Portugal, o que irá acontecer em novembro desse ano, será recebida com funerais nacionais, o seu túmulo está no Panteão de São Vicente de Fora, ao lado do marido e dos filhos. Redigido com uma grande coloquialidade, esta obra sobre Amélia de Orleães interessará seguramente os estudiosos e o grande público mais interessado sobre a vida e a obra da última Rainha de Portugal.
(CM)