Uma comissão de notários vai apresentar uma queixa ao provedor de Justiça contra a introdução “ilegal e inconstitucional” no diploma que, esta quarta-feira, é debatido no Parlamento sobre contribuição destinada a financiar o apoio judiciário nos processos de inventário.
Jorge Silva, que faz parte de uma comissão representativa de um vasto número de notários, referiu à Lusa que já houve contactos com todos os partidos com assento parlamentar, para os sensibilizar para a recusa dos notários de se substituírem ao Estado no financiamento do apoio judiciário nos processos de inventário.
O diploma que o Governo leva esta quarta-feira a discussão em plenário da Assembleia da República prevê que os notários descontem dez por cento dos honorários com os processos de inventário, para criação de um fundo que pague as despesas com este tipo de serviço garantido pelo Estado a pessoas sem recursos económicos.
Na queixa a entregar ao provedor de Justiça, os notários solicitam que Faria Costa diligencie, junto dos deputados, para que seja pedida a fiscalização da norma, caso esta venha a ser aprovada, havendo a expectativa dos notários que a medida seja “revertida” quando ocorrer a discussão do diploma na especialidade.
Notários consideram que Governo está a impor que estes financiem uma função que compete ao Estado
Jorge Silva e outros colegas de profissão consideram que a medida “roça o absurdo” ao fixar aos notários uma contribuição – que não é uma taxa, nem um imposto – que “não tem previsão legal”, nem paralelo no direito ou noutras profissões.
“Ninguém tem um regime similar”, realçou o notário, da Maia, observando que, com esta medida, o Governo está a impor que os notários financiem e paguem uma “função que compete ao Estado”: o pagamento do apoio judiciário nos processos de inventário (por exemplo, partilhas por morte ou separação de pessoas).
Jorge Silva alertou ainda para o facto de dados recentes indicarem que 38% dos processos de inventário gozarem de apoio judiciário, o que, provavelmente, levaria num futuro próximo o governo a subir a percentagem de contribuição dos notários para fazer face às despesas do sistema.
Questionando a “natureza” da contribuição prevista nos Estatutos e para protestar contra a criação da chamada “caixa do inventário”, cerca de 30 notários, de vários pontos do país, deslocam-se quarta-feira à AR para assistir das galerias à discussão do diploma sobre as ordens profissionais, que tem a presença da ministra da Justiça.
Consideram, assim, estes notários, ser inconstitucional e discriminatória a imposição de uma contribuição especial paga, exclusivamente, pela classe, para financiar uma função que cabe ao Estado e que consta de uma proposta de lei que, caso seja aprovada, os levará à “ruína financeira”.
Contestam, ainda, na mesma proposta de lei, as limitações de natureza geográfica à constituição de sociedades de notários, que consideram dever ser eliminadas.
Também discordam da atribuição ao Instituto dos Registos e Notariado da competência para os fiscalizar, em vez de atribuída à Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, entidade que fiscaliza as restantes profissões com natureza jurídica.
Esta comissão de notários foi constituída para exprimir publicamente a vontade dos notários que, em assembleia-geral, recusaram expressamente tramitar os processos de inventário nestas condições.
Fazem parte da comissão os notários Luís Almeida, de Santa Maria da Feira, que foi o primeiro presidente da Assembleia da Ordem dos Notários, Jorge Silva (Maia), Jorge Lopes (Almada), ex-vice-presidentes da Direcção da Ordem dos Notários, Cristina Cunha Gomes (Faro), ex-presidente da Delegação Sul da Ordem dos Notários, Cristina Moura Ramos (Santa Maria da Feira) e Heloísa Pereira da Silva (Torres Vedras), que foi presidente da Assembleia da Ordem dos Notários.
(Agência Lusa)