Vivemos momentos de adaptação e mudança. Momentos em que valorizamos cada vez mais quem está na linha da frente. Essas pessoas têm um rosto e uma voz. Os profissionais de saúde são apenas alguns dos heróis desta batalha, que queremos vencer o quanto antes.
Flávia Ferreira tem 26 anos e é enfermeira dos cuidados gerais do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, nomeadamente no serviço de internamentos a doentes com covid-19. Assim como nós, não esperava viver numa pandemia, onde o toque não ia ser permitido e a distância social seria a nossa realidade. Confessa que “a primeira vez que ouvi falar do novo coronavírus foi nos media” e “naquela altura, não tinha noção da gravidade da situação”.
Como qualquer herói, Flávia já sabia que era inevitável que quando a covid-19 chegasse à Europa e, consequentemente a Portugal, ela e os seus colegas iriam estar na linha da frente. “Estávamos preparados para isso”, afirma. Contudo, é importante perceber que “mesmo antes do coronavírus, já vivíamos numa profissão de risco”.
Foi a 2 de março que Portugal registou o primeiro paciente infetado com o novo coronavírus. Desde aí, passaram sensivelmente dois meses de pandemia no nosso país. Flávia Ferreira lida diariamente com doentes infetados e afirma que “da experiência que tenho, os doentes chegam a nós com muitas dúvidas. Existem alguns com a mentalidade de que vai ficar tudo bem, outros com mais receio e medo”. Mas, afinal, o que se diz a um paciente que está infetado? Como profissional de saúde, a enfermeira do CHUA diz que “tentamos transmitir calma e fazê-los perceber o que está a acontecer”. Acima de tudo, o mais importante é esclarecer que “não existe um tratamento, mas existem coisas que se podem fazer”. O vírus chegou em 2020 mas, anteriormente, já deveríamos ter intrínsecos alguns hábitos na nossa sociedade.
Gestos como lavar as mãos frequentemente, tossir e espirrar para a zona do cotovelo, desinfetar corrimãos e escadas e usar máscara ou manter distanciamento social quando estamos doentes, são hábitos que fazem parte da etiqueta respiratória, que muitas vezes nos passou ao lado, perante a normalidade em que vivíamos.
Flávia Ferreira não vê a sua família há dois meses
Nesta batalha, muitos dizem que o pior já passou. Mas é preciso que a população esteja suficientemente informada. A profissional da linha da frente, reforça a ideia de que “ainda não entrou na cabeça de algumas pessoas que temos de adotar estes hábitos. Estamos nisto há apenas dois meses”. Quanto ao uso de máscaras, revela que “vejo muitas mal colocadas. É preciso procurar informação”. Flávia Ferreira diz que “tem de haver uma consciencialização para ganhar esta batalha. Não está só nas mãos dos profissionais de saúde ou cientistas. Todos fazemos a diferença”.
E por todos fazerem a diferença, Flávia Ferreira não vê a sua família há dois meses. “Já estive mais tempo sem estar com eles, mas não sei quando os vou voltar a ver novamente. É essa a incerteza que todos os profissionais de saúde vivem. Vamos trabalhar e não sabemos como vamos voltar. De um momento para o outro isto [o risco de contágio] pode mudar”. Nos últimos dias, a Direção-Geral de Saúde tem afirmado que estamos num bom caminho, mas é preciso ter consciência de que “se as pessoas não fizerem a sua parte, o Serviço Nacional de Saúde pode deixar de conseguir dar resposta”. Por isso mesmo, a enfermeira do CHUA diz que “se não houver controlo, vamos dar um passo atrás. E talvez, um passo maior do que aquele que demos para a frente”.
Cada vez mais, vivemos tempos em que “pensar em nós, é pensar nos outros”. A frase é de Joana Rato, enfermeira na unidade de convalescença da Santa de Casa da Misericórdia de Portimão e também, em part time, no Lar de Silves. Vive uma realidade diferente da de Flávia Ferreira, uma vez que não está em contacto direto com pacientes infetados, pois “só pode dar entrada na instituição [Santa Casa] quem tiver o teste negativo”. Aos 25 anos, Joana Rato explica que ficou “em pânico” ao saber que a pandemia tinha chegado a Portugal. “Ao início [quando o vírus ainda estava na China] descartei um pouco, talvez por ser nova na profissão. Mas, logo em seguida, apercebi-me de que realmente era uma situação grave”. Os pacientes da Santa Casa da Misericórdia são, maioritariamente, idosos. Explicar a uma pessoa que já viveu tantos anos o que é uma pandemia, o que é o novo coronavírus e a gravidade que lhe está associada não é fácil, “os doentes perguntavam se tinham alguma doença quando começámos a andar de máscara”.
Em tempos de pandemia, os cuidados devem ser redobrados. Além disso, os idosos estranham “pedirmos para eles lavarem as mãos, mas nós explicamos sempre o porquê”. São hábitos que todos começámos a adotar, mas existem algumas coisas que ninguém se consegue habituar: deixar de ver e abraçar a família. As visitas foram restringidas e Joana Rato conta que os pacientes fazem muitas questões sobre este afastamento e, por vezes, é-lhes difícil entender o porquê. Ver a família ajuda na sua recuperação e é um momento em que “a comunicação terapêutica tem de acontecer” por parte dos profissionais. Felizmente, ninguém entrou em pânico, mas “com alguns sobre demência, a orientação não está a 100%”.
Joana Rato diz que a equipa foi dividida para evitar muitas trocas. Até agora, a Santa Casa da Misericórdia de Portimão não tem nenhum doente covid-19. Os idosos são o grupo de risco e a responsabilidade dos funcionários e profissionais de saúde do local aumenta. Joana não precisou afastar-se da família com quem vive, mas revela que em casa “tenho muitos mais cuidados. Retiro os sapatos na entrada, coloco a minha roupa à parte e lavo muito as mãos”. Apesar de não estar num hospital nem ter contacto com doentes infetados, a enfermeira de 25 anos está na linha da frente. “Faz muita confusão aos idosos terem de viver confinados nos quartos e não poderem utilizar a sala de convívio”.
O trabalho de Joana Rato sempre foi zelar pelo bem-estar dos doentes, mas em tempos de pandemia, os cuidados devem ser redobrados para que tudo corra bem, não exista contágio e as visitas possam ser reativadas o mais rápido possível, dando oportunidade de pais e filhos se abraçarem novamente.
Este vírus veio ensinar-nos algo. Para Flávia Ferreira, este surto pode considerar-se uma forma de entendermos que a nossa sociedade é muito consumista e vive em contrarrelógio. Já Joana Rato diz que “pensamos mais nos outros e estamos mais atentos à etiqueta respiratória”. Além disso, talvez esteja na altura de valorizar mais quem gostamos e nunca nos voltarmos a esquecer o valor de um abraço.