O prognóstico está feito e reservado: se nada mudar, em 2050 as doenças infecciosas serão a primeira causa de morte à escala mundial, fazendo mais mortos do que o cancro. O atestado de óbito anunciado não será devido a novas doenças, mas apenas por força do aumento das resistências aos antibióticos pelas bactérias que conhecemos. O aviso é repetido nesta quinta-feira, por ocasião do Dia Europeu do Antibiótico.
“A resistência aos antibióticos é uma pandemia, mas silenciosa por falta da atenção devida. Ao contrário das pandemias infecciosas, não tem um início agudo, vai acontecendo. E tem vindo a acontecer desde 1980”, explica Artur Paiva, responsável pelo Programa para a Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos da Direção-Geral da Saúde (DGS). Os números mais recentes sobre a situação portuguesa são disso exemplo: “Temos 1160 mortes por infeções causadas por bactérias multirresistentes por ano. Dito de outra forma, morrem três portugueses por dia. As infeções na sua esmagadora maioria são adquiridas em cuidados de saúde.”
Mas a morte não é a única consequência dos ataques de agentes resistentes ao que os devia matar. “Outra das consequências é o prolongamento dos internamentos, temos 125 mil dias extra de hospitalização por ano decorrente, criando um círculo vicioso ao reduzir o acesso devido à ocupação de camas”, acrescenta o intensivista do Hospital de São João.
A utilização indevida de antibióticos não é de hoje, mas no Dia Europeu do Antibiótico ganha nova notoriedade, mais não seja porque a passagem do tempo agravou o problema. Agora, uma em cada cinco infeções é causada por bactérias com expressão de resistência à antibioterapia. “A melhor forma de evitar resistências é evitar infeções. Portanto, promover as medidas de controlo da infeção, desde o investimento nas instalações à avaliação dos doentes admitidos para internamento.” Artur Paiva concretiza: “Temos de saber bem quais são os fatores de risco dos doentes e testá-los rapidamente à entrada do hospital para saber se têm resistência aos antibióticos de terceira linha [os mais fortes] e, em caso positivo, mantê-los em áreas específicas para essa tipologia.”
CONSUMO DE ANTIBIÓTICOS OU INTERNAMENTO NOS ÚLTIMOS SEIS MESES SÃO FATORES DE RISCO
O teste rápido na admissão, com resultados numa hora, já é prática de rotina em alguns hospitais, caso do São João, no Porto, mas o responsável da DGS afirma que é preciso generalizá-lo às unidades hospitalares em todo o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Desde logo, sempre que entram doentes com consumo de antibióticos ou internamento há menos de seis meses ou que estejam institucionalizados. A medida tem custos, mas justificados e recuperáveis. “Segundo o Banco Mundial, cada euro investido na prevenção das resistências tem um retorno de 2,5 euros.”
Na verdade, “o Produto Interno Bruto per capita na Saúde – refletido no investimento em instalações ou até no rácio profissional-doente – , bem como o consumo de antibióticos, são os determinantes das resistências”, garante o especialista.
O SNS não está bem no retrato do investimento – no entanto, superou as expectativas no consumo de antibióticos e, por consequência, no nível de algumas resistências. “Tínhamos das taxas mais elevadas de consumo de quinolonas, a classe de antibióticos com mais resistências, em ambulatório e nos últimos seis anos reduzimos 69%, ficando a par com a média europeia. Mas estamos abaixo dessa média se considerarmos a totalidade dos antibióticos: entre 2019 e 2020, a redução foi de 23%, 18% na Europa, e de janeiro a setembro deste ano conseguimos baixar mais 4,5%.”
A tendência repete-se no meio hospitalar, com 15% dos antibióticos consumidos. “Também estamos abaixo, estabilizados, e aqui a covid, em 2020, trouxe um aumento do consumo por doente tratado. Ou seja, foram consumidas menos embalagens mas mais antibióticos por doente”, salienta Artur Paiva. O especialista reconhece que parte do sucesso na redução dos consumos fica a dever-se à pandemia, pelo menor número de doentes que foram ao médico, sobretudo nos cuidados primários – os grandes prescritores de antibioterapia -, mas mesmo assim houve alterações inesperadas.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL