Quando pediram mais bebida tive que a negar.
– Mas porquê? Vão fechar? Isto só fecha às duas e ainda é uma e dez; tem que nos servir!
Verifiquei as horas no telemóvel e sorri. Não era disso que se tratava.
– Não serviremos mais nada porque os senhores já se encontram etilicamente intoxicados, só por isso.
E estavam. Mas não só: com a artificial alegria viera-lhes também ao de cima a falta de educação e respeito ao próximo.
– Então quero o livro de reclamações! – já não sei se foi pedido pela jovem senhora ou por algum dos três homenzitos que a acompanhavam. – E vamos arrasar-nos no Tripadvisor, Pode ter a certeza!
Deram-me vontade de rir outra vez.
Fui buscar o livro e, de caminho, liguei para a GNR que prontamente apareceu.
Manda a lei que não se sirva álcool a quem esteja manifestamente alcoolizado.
Manda a boa educação que as pessoas não sejam arrogantes e estúpidas para quem as está a servir.
Manda o bom senso que não se peça o livro de reclamações a quem está simplesmente a fazer o que deve ser feito.
E manda a sabedoria que os sítios se descubram, provem e comprovem, mais pelo que de facto são do que pelo que deles dizem.
Não uso o tripadvisor e tenho encontrado pelo mundo deliciosos locais. Nunca lá inscrevi os meus negócios porque nunca me apeteceu. E agora percebo porquê: a humanidade anda cada vez mais vergada ao cabresto virtual. Já ninguém sabe descobrir uma farmácia perguntando a outro alguém. Anda tudo em carneirada, de cabeça baixa e olhos postos de ecrã, a tentar perceber onde vai dormir, cortar o cabelo, comer o bife, comprar o corta unhas ou beber o abatanado. A grande maioria, agora, limita-se a ler meia dúzia de “reviews” e emprenhar pelos ouvidos.
É triste perder-se assim o sabor do contacto humano e da navegação à vista, o encanto da descoberta, o espírito aventureiro, o instinto conquistador…
É triste usarem-se tantas vezes certas ferramentas para tentar destruir, por malícia, trabalhos de vidas inteiras.
Os quatro indivíduos saíram do Piratas, despeitados e maldizentes: vinte e sete anos depois da abertura, tivemos a primeira reclamação no livro.
O capitão ficou triste, como se tivesse levado um arrombo no casco.
Eu fiquei neutra, creio, porque não é uma ondita que nos desviará da rota de fazer pessoas felizes.
Quanto aos tristes que armaram a cena, eles que poluam o que quiserem: desde que não voltem a usufruir de um espaço e de uma energia que não se destina a eles, já não pedimos mais nada.