Os filósofos limitaram-se
a interpretar o mundo
de diversas maneiras;
o que importa é modificá-lo.
Karl Marx
Maio é um mês que se inicia com um feriado. É o Dia do Trabalhador, portanto, não se trabalha! A História mostra, com uma frequência avassaladora, como os dias festivos costumam ter origens violentas. O feriado de 1 de Maio não é excepção. A sua origem foi uma manifestação de 500 mil trabalhadores que ocorreu nas ruas de Chicago, em 1886, seguida de uma greve à escala nacional. Foi a primeira reivindicação de direitos dos trabalhadores de que se tem conhecimento! Quando em França, três anos depois, o Congresso Operário Internacional convocou uma manifestação anual em homenagem às lutas sindicais de Chicago, a primeira acabou com 10 mortos!
Se no século XIX foi de grande originalidade lutar pelos direitos dos trabalhadores, no Séc. XXI temos outra maré: a dos desempregados ou empregados precários. Em Portugal, em 2011, realizou-se uma grande manifestação da chamada Geração à Rasca, que se considera a si mesma “apartidária, laica e pacífica”. No seu manifesto pode ler-se: “Nós, desempregados, ‘quinhentoseuristas’ e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal. (…) Protestamos para que todos os responsáveis pela nossa actual situação de incerteza – políticos, empregadores e nós mesmos – actuem em conjunto para uma alteração rápida desta realidade, que se tornou insustentável”.
De salientar como neste protesto não se coloca a culpa apenas nos outros, pelo contrário, a própria geração traz para si o peso da responsabilidade e a vontade de mudar as coisas. Apesar das operações de cosmética, como por exemplo a da passagem a contrato de trabalho de alguns Bolseiros de Investigação — que acontece de forma aleatória, com base em datas de atribuição de bolsa e não por mérito científico! — sete anos passaram e os problemas persistem. Continua actual este manifesto da Geração à Rasca que possui “o maior nível de formação na história do país”. Vale a pena ler na íntegra! Actuais continuam também, algumas das teorias marxistas sobre a sociedade, a economia e a política, que também valeria a pena reler.
Sempre depois da sesta chamando as flores
Era o dia da festa Maio de amores
Zeca Afonso, Maio, Maduro Maio
Para a religião católica, Maio é sem dúvida o mês de Maria, da celebração das aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos na Cova da Iria. A primeira aparição da Virgem Maria terá ocorrido no dia 13 de Maio de 1917, repetindo-se durante seis meses seguidos. Por este motivo, Maio é denominado mês Mariano.
Maio é também o mês daquele que é considerado o mais alegre dos festivais celtas: Beltane! Os participantes cantam e dançam em redor das fogueiras acesas no topo dos montes e em lugares considerados sagrados. Celebra-se o fogo que livra das doenças e purifica, e o reinício da vida na natureza de forma primordial, simples e pura. Em tempos remotos esta festa da fertilidade da terra e da união entre a energia masculina e feminina, incluía a relação sexual livre entre homens e mulheres, mesmo que estivessem casados. Todos os filhos gerados em Beltane eram considerados filhos do deus — Belenos — deus do fogo e da Luz.
O que talvez o caro leitor não saiba é que, em Portugal, a Festa das Maias é um vestígio desse ritual celta. As portas e janelas das casas ou as grelhas dos automóveis são enfeitadas com ramos de giesta amarela ou com coroas de flores chamadas Maia ou Maio. Também as crianças se enfeitam de flores e vão de casa em casa cantar e pedir. Aqui no Algarve há o costume de se fazerem bonecos em tamanho natural, normalmente de palha e trapos, vestidos de forma alusiva a profissões específicas, que se colocam na beira das estradas no feriado do 1º de Maio. Basta percorrer a EN 125 para encontrar os Maios!
Mais que esse doce nada, arrulho de seus lábios
O beijo que, bem baixo, é perfídia segura,
Atesta uma mordida
este meu seio virgem.
Mallarmé, A tarde de um fauno
Na minha imaginação Maio é o mês das Ninfas e dos Faunos. O poeta francês Stéphane Mallarmé publica em 1876 a écloga A tarde de um fauno, com ilustrações do pintor impressionista francês Manet. O poema, cujo excerto se cita acima, continua a ser um marco na história do simbolismo na literatura. Evoca as emoções sensuais de um fauno, despertadas pela passagem das ninfas pelo bosque. A trama de eventos é vagamente aludida. A linguagem simbólica de Mallarmé apenas sugere.
Inspirado no poema, Debussy compõe em 1894 o Prélude à L’après-midi d’un Faune, tão belo aos nossos ouvidos de hoje, mas que causou uma imensa estranheza na época! As características gerais do simbolismo poético acima mencionadas estão também presentes na música orquestral de Debussy, embora a relação com o poema de Mallarmé seja propositadamente não explicita. Fazê-lo seria atraiçoar a própria natureza do poema e da música simbolista. No entanto, “a utilização frequente de instrumentos de sopro do naipe das madeiras, estabelece de imediato a ligação com o bucolismo normalmente associado a personagens míticos como os faunos e as ninfas. O solo inicial da flauta remete-nos para a syrinx, um instrumento de sopro da Antiguidade Clássica mencionado por Mallarmé. Alguns dos motivos apresentados nesse solo de flauta serão utilizados em diálogos entre os instrumentos, nomeadamente outros instrumentos de sopro de madeira.
O facto de estes motivos não sofrerem alterações ou desenvolvimentos significativos ao longo da obra demonstra que Debussy tentou, mais do que trabalhar o desenvolvimento temático, criar sonoridades evocativas e timbres orquestrais inovadores, nomeadamente na conjugação de instrumentos de sopro de madeira com as harpas e sonoridades em surdina nos instrumentos de metal e cordas”. (H. Marinho, Casa da Música, 2012). Estas novidades na forma de compor pareceram bizarras e desagradaram ao público, tendo Debussy sido acusado — imagine-se! — de ausência de melodia. Em 1912, em Paris, Nijinsky assina a sua primeira coreografia para os Balés Russos de Diaghilev, interpretando como bailarino principal o papel de fauno. Inspirado no monólogo onírico de Mallarmé e ao som do Prélude de Debussy, Nijinsky simula que se masturba com uma écharpe, antes de voltar a adormecer, deixando-se levar pela fantasia de um encontro amoroso com uma bela ninfa. O publico escandaliza-se! Como se não bastasse a novidade que o simbolismo literário introduz com este poema, alia-se-lhe a extravagância da música de Debussy e, sobretudo, a ousadia da coreografia de Nijinsky!
Quando tudo parecia perdido, Diaghilev, fundador e director dos Balés Russos, tem um golpe de génio: em vez de retirar o bailado de cena, repete o espectáculo. As lotações esgotaram!
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(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Maio)