Less, de Andrew Sean Greer, publicado em maio deste ano pela Quetzal, foi um dos livros sensação de 2017, vencedor do Pulitzer de Ficção, do Northern California Book Award, do Washington Post Best Book, bestseller do New York Times e recomendado como um dos melhores livros do ano pela The Paris Review ou America Library Association.
Arthur Less é, como o nome indicia, um homem menor, prestes a fazer cinquenta anos, em tempos o jovem parceiro de um génio literário, agora rejeitado pelo seu jovem amante, escritor aclamado pelo seu romance de estreia, é um homem tão discreto, apesar do seu fato de um azul lessiano (adjectivo que predomina ao longo do livro), que se torna apagado. Arthur Less, o nosso protagonista peripatético, com olhos cor de safira, magro e elegante, com laivos de herói pícaro, trapalhão e vítima de si próprio, é tão menor que até como homossexual parece dar mau nome aos seus amigos gay, por não ser “suficientemente gay”. Além de abandonado pelo amante, Less vê ainda o seu mais recente romance de Less rejeitado pela editora; curiosamente intitulado de Swift (como em Jonathan Swift), esse romance parece aliás reflectir a própria narrativa de Less: «um romance peripatético. Um homem a vaguear por São Francisco, e pelo seu passado, retornando a casa após uma série de reveses e desilusões («Só sabes escrever o Ulisses em versão gay», disse Freddy); um romance melancólico e pungente acerca da vida difícil de um homem. Da meia-idade falida e gay.» (p. 39)
Para contornar esta triste notícia, e para declinar com justa causa o convite para o casamento do seu ex-namorado com outro homem que não ele, Arthur Less decide embarcar numa viagem pelo mundo, em que uma série de convites sobrepostos – que um escritor mais afamado certamente recusaria – lhe permitirão viajar pelo México, por Itália, Alemanha, França, Marrocos, Índia e, por fim, Japão.
Tal como a personagem do seu primeiro romance, Kalipso, uma espécie de reescrita da Odisseia, em versão gay, em que um soldado dá por si numa ilha deserta e se apaixona por outro homem, até que volta para casa e para a mulher, Arthur Less terá as suas próprias peripécias ao longo das viagens que empreende. Apesar de ser visto como um homem distinto, de ar elegante e delicado, por aqueles com quem se cruza, Arthur não deixa de se comprazer na sua dor e na visão menor que tem de si próprio, que impossibilita aliás reconhecer que ainda há quem o veja como um grande autor… talvez por ter vivido largos anos sob a sombra de um génio poeta… e porque entende que aos cinquenta anos já ninguém se pode tornar mais apelativo… quando na verdade Less é ainda uma criança grande e inocente, capaz de se relacionar com o mundo sem consciência dos seus perigos… com azar nas coisas que não interessam e uma sorte pródiga nas que interessam.
«Pois ele já conheceu a genialidade. Já foi acordado pela genialidade a meio da noite, pelo som da genialidade a percorrer os corredores para trás e para a frente; já preparou café à genialidade, e o pequeno-almoço, e a sanduíche de presunto e o chá; já esteve nu ao lado da genialidade, impediu a genialidade de entrar em pânico com falinhas-mansas, foi buscar as calças da genialidade ao alfaiate e passou as camisas a ferro para um recital. Já apalpou cada pedacinho de pele da genialidade; já sentiu o cheiro e o toque da genialidade.» (p. 113)
Less, tal como o romance gorado de Arthur Less que ele acaba por decidir reescrever, nada tem afinal de melancólico, mas sim de risível, de enternecedor, e de revelador, em como o homem dá a volta ao mundo para descobrir o seu destino quando regressa à porta de casa. Sem que, de facto, o leitor consiga sentir tanta piedade pelo nosso herói como a compaixão que ele sente por si próprio, ao viver uma vida que é claramente melhor do que a de qualquer outra pessoa que possamos conhecer, inclusive a nossa…
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de agosto)
(CM)