Nesta magnífica obra, publicada pela Dom Quixote, narram-se em 716 páginas um «retábulo definitivo sobre mais de 30 anos da vida no País Basco sob o terrorismo», centrando-se na história de duas famílias cujos laços pareciam inquebrantáveis até serem divididas por um crime político.
A intriga é desfiada numa desordem cronológica, o que revela mestria narrativa e torna a obra muito mais interessante de ler. A narrativa, constituída por capítulos breves, é narrada numa perspectiva descentrada pois alterna entre as várias personagens, o que permite uma focalização imparcial, em que as questões e situações retratadas são apresentadas e representadas a partir da óptica de cada um. O narrador tenta ao máximo subsumir-se por trás das vozes das personagens, ao ponto de a narração na terceira pessoa passar, frequentemente, para a primeira pessoa: «Agradeceu em tom neutro. Obrigado, porquê? Por nada. Era uma forma de fingir que mantinha o controlo. E desligou. As minhas costas e atrás delas a minha mãe, e o difícil momento de nos voltarmos. Evitou olhar para ela de frente para que não pudesse ler nos seus olhos.» (p. 422)
Além disso, surgem ainda erros gramaticais especialmente nas formas verbais, mal conjugadas pelas personagens, numa aproximação ao seu “falar”, o que por vezes também transparece na voz narratorial.
Mas a opinião do narrador/autor surge sempre ao de cima, conforme denuncia a incompreensão face aos atentados e homicídios, ou até mesmo na mudança sofrida pelo jovem filho de uma das famílias que ingressa na ETA em adolescente, e é suspeito de ter morto o pai da outra família, ao mesmo tempo que tenta fundamentar o fanatismo dos bascos que não aceitam serem confundidos como espanhóis.
A certa altura reflecte-se inclusivamente no papel da literatura e no seu peso político ou de intervenção social: «O euskera, alma dos bascos, precisa de se apoiar numa literatura própria.» (p. 395)
«Patxo e ele exercitaram-se na montagem e desmontagem de armas. Aprenderam a preparar armadilhas mortíferas e carros bomba. Que mais? Armvam também mecanismos temporizadores. (…) Ensinaram-lhes tudo o que era preciso sobre esconderijos e «caixas do correio», também a abrir fechaduras de carros. Explicou-lhes como deviam comportar-se no caso de os deterem.» (p. 432)
Sem medos, Fernando Aramburu coloca o dedo na ferida e põe a nu uma situação bem controversa e actual, num romance que lhe tem valido diversos prémios e se tornou um sucesso de vendas.